6 de out. de 2025

"DEUS O LIVRE", POR QUÊ?

 

img IA via Microsoft Copilot 


“Deus o livre”, escutei. Era eu ou era alguém que pensava quando já despertava com o costumeiro zumbido levemente dentro das minhas orelhas também?

Sentei na cama e vi o notebook ligado, o relógio digital marcando quatro e quarenta e sete da manhã. Lá fora, ainda está tudo escuro sob a luz fraca do abajur… mas “Deus o livre”, por quê?

Ouço a chuva macia, o contraste dos graves, dos agudos, ressoando sobre o telhado, as paredes, a janela, entre os frisos da veneziana surge uma lagartixa e abocanha um cupim… “Deus o livre”, por quê?

Ao longe, um galo canta desafinado, repetitivo. Um grilo trina sob a relva, um coaxado, os pingos, o zumbido permanente… o que estava sonhando…? E “Deus o livre”, por quê?

Deu até impressão de a vida ser tão perigosa. Já nem sei mais quem está morrendo, se sou eu ou o mundo, lá fora. Se é a madrugada, a chuva, o galo, o sapo, o grilo… “Deus o livre”, por quê? 

Logo o dia vai raiar, mesmo que continue a chuva macia… logo vai cantar o sabiá, o bem-te-vi, a corruíra, a natureza é tão viva… ora, “Deus o livre”, por quê?
 
A vida já anda tão triste, tão pesada, com tanta fome, tanta guerra, matança… que já continuar vivo ficou tão difícil, viver… Será por isso o “Deus o livre, por quê?”






5 de out. de 2025

AS MINÚSCULAS FORMIGUINHAS DE PORTO ALEGRE

 

img Gemini

As Minúsculas Formiguinhas de Porto Alegre.


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Com o verão se aproximando, Porto Alegre se prepara para sua verdadeira invasão anual. Não a de turistas, mas a delas: as minúsculas e implacáveis formigas que veem nossa cidade como um grande banquete ao ar livre.

Minha guerra particular começou anos atrás, num oitavo andar na Rua da Praia. Encontrei uma trilha de formigas que, ludibriada pela parede verde do prédio, acreditou ter encontrado a Mata Atlântica, mas acabou estacionando, confusa, no carpete da minha sala. Aquela foi a tropa de reconhecimento; as verdadeiras conquistadoras são as pequeninas, as colonizadoras que não fazem trilhas, simplesmente se materializam no pote de açúcar.

Fugi delas. Mudei de bairro, achando que um novo CEP seria minha salvação, mas foi inútil. Elas já me esperavam no novo endereço, provando não haver refúgio. Em algum formigueiro-mãe, um general de seis patas já deve estar insuflando suas tropas para a campanha de verão: 

— Avante! Nenhum grão de açúcar ficará para trás!

Enquanto nós, humanos, nos armamos com simpatias inúteis como cravos e cascas de limão, elas avançam com uma disciplina militar. Aprendemos da forma mais difícil que, no calor porto-alegrense, não somos donos de nossas casas, mas meros inquilinos. A cidade, no fundo, pertence a elas.

Há quem diga que elas fazem bem para os olhos. Não acredito, estão por toda parte… Por falar nisso, preciso checar se não esqueci de fechar meu açucareiro, não é muito palatável tomar café com elas boiando.


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21 de set. de 2025

CRÔNICA DA PEC DA 'BLINDAGEM' (BANDIDAGEM)

 



Crônica da PEC da ‘Blindagem’ (Bandidagem).



Nos corredores de mármore, onde o poder se move em sussurros e ofícios, forjaram um escudo. Chamaram-no de emenda, de prerrogativa, mas o seu verdadeiro nome nasceu longe dali, no éter anônimo e brutal das redes. A 'PEC da Blindagem'; na verdade, 'PEC da Bandidagem', foi o batismo de fogo dado por uma nação que viu na manobra não o fortalecimento da democracia, mas a armadura da impunidade. Enquanto a caneta dos deputados corria célere para aprovar o texto, selando um pacto de autoproteção que transcendia partidos, uma fúria digital se avolumava. O que era um murmúrio de indignação tornou-se um maremoto, uma onda de repúdio que não pedia licença, traduzindo o ‘juridiquês’ na hashtag: #CongressoInimigoDoPovo. A conspiração do silêncio oficial foi rompida pelo barulho ensurdecedor de milhões.

Aquele clamor virtual, incorpóreo, não se contentou em existir como dados e píxeis. Ele transbordou, ganhou corpo, suor e voz, descendo para o asfalto quente das capitais. O Brasil respondeu ao chamado. No Rio, a melodia de velhos hinos de resistência uniu gerações em Copacabana. Em São Paulo, uma bandeira imensa, resgatada das mãos que a haviam sequestrado, flutuou sobre um mar de gente na Paulista. Em Brasília, a multidão marchou sobre a Esplanada, numa peregrinação laica ao coração do poder para entregar sua mensagem em cartazes e gritos. De Salvador a Curitiba, a revolta tomou a forma de um carnaval democrático, de um varal da vergonha, da teimosia de corpos que se recusavam a dispersar sob a chuva. O país converteu a fúria do éter em um ato físico, uma afirmação de que a rua ainda lhe pertencia.
 
O eco daquela gente na rua viajou de volta a Brasília, mas desta vez não bateu em portas fechadas. Entrou pelas frestas do Senado, onde a proposta foi recebida com a frieza de um corpo estranho, e ricocheteou de volta à Câmara, forçando deputados a recuos públicos, a confissões de covardia. A vitória, no entanto, não trouxe o alívio doce da paz, mas o gosto de uma trégua inquieta. A PEC foi ferida de morte, mas a doença que a gerou, a soberba de uma casta que se julga acima da nação, permaneceu. O asfalto se aquietou, mas a memória digital continua a zumbir, vigilante. A batalha foi vencida no grito, mas a guerra por uma República onde a lei seja, de fato, a mesma para todos, essa ainda aguarda seu fim.

Nas próximas eleições, vamos votar com mais responsabilidade, escolhendo um Congresso e Senado que respeite a Soberania, a Democracia e a Constituição. 




12 de set. de 2025

O PESO DA CANETA E A ESPADA DA LEI

 

img Gemini IA

O Peso da Caneta e a Espada da Lei.


Um velho pescador uma vez me disse: 


“Um homem deve enfrentar o mar e suas tormentas, mas nenhuma tempestade é maior do que a que um homem cria para si próprio.”


Aqui, nestes trópicos de paixões fervilhantes, a espada da lei desceu com o peso frio do aço. Vinte e sete anos. Não é um número redondo, poético. É um número áspero, pesado, calculado. É o som de uma porta de ferro fechando-se não, a um mandato, mas a uma vida política.


O Supremo Tribunal Federal, em sua magistratura solene, não julgou um homem; julgou um conceito. Julgou a ideia de que a autoridade é um salvo-conduto para a insubordinação, de que o poder concede o direito de torcer a verdade até que ela se assemelhe a uma ficção perigosa.


Eles o condenaram por suas palavras, por seus acenos, por seus sussurros em saletas e por seus gritos em praças cheias. Condenaram o arquiteto pelo que suas criaturas fizeram; o maquinista, pelo descarrilamento do trem. Foi a sentença que muitos, em outras terras, esperavam ver.


Do outro lado do equador, em uma nação vista como farol, um homem similar incendiou a praça com gasolina retórica e depois contemplou o incêndio.


A invasão ao Capitólio não foi uma revolta espontânea; foi um ato encenado, o epílogo previsível de um espetáculo de meses. As pessoas não foram meramente incentivadas; foram instrumentalizadas. Elas escalaram paredes, quebraram vidraças, e no rosto delas estava não a fúria da razão, mas o êxtase da obediência cega.


Trump olhou, consentiu e certamente sorriu. A história exigia uma resposta à altura. Exigia que a espada da lei cortasse com a mesma veemência e precisão com que cortou aqui, mas lá, o sistema vacilou. As engrenagens da justiça moveram-se com a lentidão de um rio entupido de tralha política.


Ele foi julgado, sim, mas pela boca do povo nas urnas, não pela mão firme dos togados. A justiça legal ficou aquém. O preço que pagou foi a derrota, não a prisão. Um preço baixo para quem quase quebrou a espinha dorsal de uma grande democracia.


Aqui, a lição foi diferente. O STF não mediu a sentença pela popularidade do réu ou pelos ventos políticos do momento. Mediu-a pela gravidade dos atos, pela tentativa de rasgar o contrato social que nos mantém civilizados. Vinte e sete anos é uma sentença para que os livros de história a registrem não como uma vingança, mas como um lembrete: ninguém está acima da República.


A diferença crucial é esta: enquanto em algumas praças a justiça ainda debate se deve pescar com rede ou com arpão, aqui lançou o arpão no peixe grande. E acertou em cheio.


Não se celebra a queda de um homem. Celebra-se a ascensão de um princípio. O princípio de que as palavras têm consequências, que o poder é empréstimo e ninguém, absolutamente ninguém, tem o direito de atear fogo no telhado da casa que abriga a todos nós.


O velho pescador sabia. Um homem que provoca a tempestade deve estar preparado para naufragar nela. Sozinho. E a justiça, quando verdadeira, não é um salva-vidas. É o farol que mostra os rochedos onde os irresponsáveis se arrebentam.


Aqui, o farol funcionou. Lá, do outro lado, somente piscou… e o mundo todo estava olhando. 


























18 de ago. de 2025

O PASSADO NÃO É SILÊNCIO

 

img Arquivo Nacional

O PASSADO NÃO É SILÊNCIO.

 


Porto Alegre, fim de agosto de 1961. O ar cheira a pólvora até às margens do Guaíba. O vento corta o Cais, trazendo consigo o peso da história. A cidade, antes tranquila, agora vibra com uma tensão geral que se espalha pelas ruas.


No Palácio Piratini, Leonel Brizola está falando no microfone, olhos fixos. Sua voz, rouca e firme, ecoa nos alto-falantes da Rádio Guaíba, atravessando a noite com avisos inflamados.


Na Praça da Matriz, a multidão se aglomera. Homens de chapéu, mulheres de lenço, jovens com os punhos cerrados. Todos esperam, estão prontos, todos sabem… se tiver que acontecer, vai de fato acontecer.


A Brigada Militar mantém posição, rifles prontos, olhos atentos. Ninguém sabe se os tanques federais virão, se os tiros começarão antes do amanhecer, mas todos estão prontos, também.


Nos bares, o papo é só um: o país está à beira de uma guerra civil. Alguns falam baixo, outros gritam. A cerveja ajuda, mas não apaga o medo de ninguém. É necessário, é urgente, querem trair a constituição, a soberania, a nação.


Os jornais estampam manchetes em letras grossas:

“O ABISMO SE APROXIMA”, “RESISTIR OU ENTREGAR O PAÍS” (Última Hora); “A NAÇÃO NA ENCRUZILHADA” (Correio do Povo); “LEGALIDADE OU DITADURA” (Diário de Notícias)


A democracia, pendurada por um fio, eles querem arrancá-la de nossas mãos. Brizola não recua. Suas palavras são facas cravadas no ar, cortando a indecisão. Legalidade ou guerra. O povo responde, ocupa as ruas, ergue cartazes, desafia o silêncio dos quartéis.


Os dias se arrastam. A tensão sufoca. Mas a chama não se apaga… ninguém arreda o pé enquanto não restabelecerem a legalidade…


Hoje, o vento mudou, mas o cheiro no ar é o mesmo. Novos tanques não avançam pelas ruas, mas as ameaças são reais. Os ‘filhotes da ditadura’ voltaram, agora estão de terno e gravata, falando em ordem, pátria, Deus e família enquanto querem desmontar direitos, vender o país, negar a história. Querem o passado de volta, com suas botas, seus porões, seus medos e novas torturas.


O povo precisa voltar às praças, às ruas. Ainda há microfones que não se calaram. A chama crioula ainda arde, ainda resiste, o vento sopra, mas ela é teimosa, não se apaga, insiste em queimar.