O FUMANTE INVETERADO

        

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FUMANTE INVETERADO.



Não sei como tudo isso veio acontecer. Lamento, lamento mesmo, de verdade. Não foi de propósito, juro. Simplesmente acreditava que nunca mais voltaria a fumar, nunca mais colocaria um cigarro na boca, nem por brincadeira. Foi de repente, sabe, até me senti meio estranho, achando isso impossível de acontecer. Ora, qual é, nunca havia parado de fumar. Na verdade, mesmo, nunca me ocorrera deixar de fumar, pelo menos não assim tão de repente. Afinal já vinha fumando desde 84, portanto 35 anos largando fumaça como chaminé de pizzaria de forno a lenha. Como deixaria de fumar, então? Pois é, agora isso: fumar ou não fumar, eis a questão! Talvez o motivo desta indagação seja porque sempre existe alguém me lembrando disso, portanto, falta de aviso não é. Quanto a esse detalhe, aliás, é apenas uma questão de decidir e, pronto, parar de fumar, assunto encerrado, não se fala mais nisso. Na verdade, ninguém precisa me lembrar. Todo mundo sabe que fumar faz mal à saúde, além de ser tempo e dinheiro posto fora, mais difícil de recuperar depois.

Bem, no começo até tentei, juro, mas não conseguia parar. Sou viciado e, nesse caso, a decisão de parar não é tão simples assim. Preciso da nicotina como o ar que se respira, aliás, ambiguidade paradoxal infame, ora, vê se pode dizer algo assim, arriscar ficar sem ar por falta de cigarro é burrice ou canalhice dissimulada, não tem outra explicação. Tudo bem, como já disse, tentei parar. E não foram poucas tentativas. Tentei de tudo. Adesivo, chiclete, hipnose, acupuntura, terapia, enfim, uma parafernália de receitas e condutas farmacológicas antitabagistas, que acabei me tornando um especialista no assunto. Porém, nada disso funcionou, pelo menos em meu caso mais específico. Teimosia? Falta de vontade? Bem, não sei dizer ao certo, simplesmente volto a fumar e, pronto, o que mais posso fazer, mesmo que, em simultâneo, também aproveito para continuar pensando parar de fumar enquanto acendo um cigarro. Não é sarcasmo! Ora, por que tanta insistência? Que me faz retroceder? Bem, eu gosto de fumar com muito gosto, prazer. Na verdade, o cigarro passou a ser um hábito de tentar me reconciliar com a triste realidade da vida acontecendo. Viver de boa, aliás, não é nada fácil. Pelo menos, é a única maneira de pôr fim aos meus conflitos, pois além de me acalmar, auxilia-me a resolver diversos problemas, esclarecendo muitas dúvidas, aliviando das diversas angústias, inclusive, essa: continuar pensando em parar de fumar. Bem, talvez isso aconteça quando me sinto enojado do cigarro, então passo a odiá-lo, seja pelo cheiro do cinzeiro, a fumaça, ou pior ainda, quando começo a tossir sem parar, sentindo-me já sufocado, sem fôlego até de subir a rua. Sim, claro, também por me sentir isolado ao notar que as pessoas me rejeitam, mas isso até compreendo, nem todo mundo fuma como eu, obviamente, sem mencionar os que nunca colocaram um cigarro na boca. Nessa hora, aliás, eu os observo e quero ser livre, quero ser saudável como eles, por isso odeio o cigarro, o vício já controla meus desejos. Poxa, quero ser feliz, mas já nem sei como fazer isso, também. Até porque não tenho força de vontade, na verdade, nem mesmo acredito em apoio convincente nenhum, inclusive já desconfio que a felicidade é uma ilusão, algo meramente momentâneo, a gente está sempre correndo atrás disso, fumando ou não fumando. Logo perco a esperança de tentar voltar a ser como eu era antes, realmente, quando não existia essa ansiedade do tipo instigante, então percebo estar preso em um círculo vicioso. Fumo para então aliviar essa ansiedade, mas ela aumenta após buscar esse relaxamento, acabando por ficar ainda mais tenso. Isso é pior. Sinto-me culpado, já nem sei mais o que fazer. Não sei como sair dessa armadilha. Na verdade, só volto a ponderar parar de fumar, pelo menos em pensamento, mas continuo embestado no vício, ou seja, fico no modo teórico, isso após relembrar o primeiro cigarro, quando estava com meus amigos. Obviamente, eu não soube o que esperar, mas desde essa ocasião já gostava da sensação de fumar. Sinto-me mais lúcido, confiante, entende? Então, recomeço a fumar ainda mais. Fumo quando me estresso ou quando estou feliz, ou quando estou com todos meus amigos, só me distraindo. Fumo em qualquer lugar, a qualquer hora. Gosto da sensação do cigarro na boca, do cheiro do tabaco, da fumaça entrando nos meus pulmões, não se trata de masoquismo. Gosto de sentir a sensação de relaxar com a fumaça. Também gosto de fumar sozinho. É um momento único para pensar, refletir, enfumaçando ao meu redor. Gosto de sentar na varanda, de olhar as estrelas e pensar na vida, fumando, isso também me dá um certo prazer. Mas sei que isso também é ruim. Sei que estou me poluindo, mas não consigo parar. De repente, não sei como, mas de uma hora para a outra, estou viciado nessa porcaria e não sei mais de que jeito isso aconteceu. Tento parar, mas sempre acabo voltando. Mesmo assim, estou cansado de ser viciado, tipo, um dependente igual a um alcoólatra, ou dependente em outra droga de porcaria química qualquer. Estou cansado de estar doente, de estar morrendo lentamente, de tossir, de estar sempre pigarreando. Enfim, eu sei que preciso largar o cigarro, mas não sei mais como dar fim nisso tudo. Estou preso nesse círculo vicioso, não consigo mais sair disso, mas já que decidi parar de verdade, não quero apenas ficar pensando isso sem fazer nada a respeito, tomei essa iniciativa pelo modo mais prático, enfim, não ficar somente no plano teórico. Sei que é difícil, mas estou determinado a seguir com esse plano até o fim. Joguei todos os meus cigarros fora. Inclusive, eu disse para todos os meus amigos e familiares que parei de fumar, muitos até me olharam, incrédulos, intrigados. Bem, de fato, é muito difícil. Fiquei impaciente, estressado, quero fumar, sim, penso no cigarro o tempo inteiro. Enfim, resisto. Lentamente, as coisas vão ficando bem mais fáceis de suportar, nem quero mais lembrar esse tormento de ultrapassar o primeiro período de abstinência, é uma tortura, ninguém merece passar por isso. Então, incrivelmente, comecei a me sentir um pouco melhor. Tanto é que até agora estou sem fumar. Sei que é apenas o começo, mas já estou me sentindo orgulhoso de mim. Sei que nunca mais fumarei novamente. Estou livre. Às vezes, até chego a não acreditar que estou sem fumar há um ano. Imagine, estava fumando um cigarro atrás do outro, de fato era uma chaminé. Simplesmente não conseguia imaginar a minha vida sem fumar, mas estou conseguindo agora. Parei de fumar, imagine. Estou feliz por conseguir realizar essa proeza. Não foi nada fácil, é verdade. Houve momentos em que queria desistir, momentos de fumar pelo menos por uma última vez. Resisti e resisti novamente. Sabia se tratar de uma armadilha, era somente meu desejo, fazendo-me até sonhar que estava fumando. Sabia que, se fumasse, iria começar tudo de novo. Voltaria a ser o mesmo viciado de sempre, então resisti, não fumei. E agora estou aqui. Estou sem fumar. Estou tão feliz por isso. Sinto-me cada vez melhor, poxa, agora tenho mais energia, tenho mais disposição, tenho mais saúde, subo a rua até correndo sem perder fôlego nenhum. Sou tão grato por parar de fumar. Sei que foi a melhor coisa que já fiz pela minha saúde. Mas sei que o desafio ainda não acabou. De certo modo, acredite, ainda sou viciado em nicotina, sim, parece mentira, mas a vontade permanece viva no meu inconsciente. Sei que sou tentado a voltar a fumar. São armadilhas, repito, mas estou determinado a não ceder. Estou disposto a ficar livre do cigarro e ponto final. Sei que posso fazer isso. Posso conseguir. Sei que quanto mais tempo ficar sem fumar, mais fácil ficará depois. Então, continuo resistindo com mais controle sobre mim. Não me iludo, preciso continuar lutando contra o vício, permanentemente. Pelo menos sei que sou uma pessoa melhor por causa disso. Mesmo que uma vez ou outra ainda surja essa voz interior insistindo em querer fumar, sim, ela sempre me questionando o tempo inteiro, de minuto a minuto. Eu digo, retruco: mas não mesmo, de jeito nenhum volto a fumar, bem capaz! Quero virar mico de circo se eu botar um cigarro na boca! Parei de fumar, de verdade…

Por isso, não sei como tudo isso aconteceu tão de repente. Lamento, lamento mesmo, de verdade, juro que não foi de propósito, juro por tudo o que é mais sagrado, estava convencido de que nunca mais voltaria a fumar, nunca mais colocaria um cigarro na boca. Foi de repente, sim, por isso mesmo estou lhe dizendo que até me senti meio estranho, achando isso impossível de vir acontecer. Ora, nunca havia parado de fumar. Na verdade, mesmo, nunca me ocorreu deixar de fumar. Foi vacilo, eu sei. Imprudentemente cometi o erro de ter comprado um novo maço de cigarro, sim, foi agora, agorinha a pouco, estava para lhe dizer isso também. Bem, fiquei atormentado, acabei me perdendo em meus pensamentos, entrei nessa digressão interminável, mas não desisti, não dei o braço a torcer, de volta joguei fora em um segundo momento. Sim, a carteira estava cheia, nem abri. Bem, confesso que senti até dó, uma pena, pois o cigarro anda tão caro ultimamente, isso também é desperdício, mas joguei fora, que se dane o prejuízo do meu bolso. Comigo, não, pensando o que, quando tomo a decisão, nem o vício me controla assim no mais! Quando paro, eu paro mesmo, não dou trégua, não dou mole, mesmo que essa voz do meu interior ainda insista, o quê, não acredita? Pensa que não consigo resistir? E a força de vontade, hein? Acha mesmo que estou dizendo isso da boca pra fora? Está bem, então vou te mostrar como sei viver sem esta droga, tu vais ver, o tempo irá te dizer caso esteja tão convencido do oposto! O quê, continuas rindo? Pois fique sabendo que tenho, sim, absoluto controle sobre mim! Sim, isso mesmo, posso esquecer esse maldito cigarro de vez, lembre-se de que já estou um tempo enorme sem fumar! Então. Mas é claro que posso parar! Tem de contrariar tudo o que eu digo? Acha então que sou fraco, idiota, viciado como você? Fica enchendo meu saco, fica! Vou te mostrar, sim, apesar de tu me dar nos nervos com a tua desconfiança sarcástica sobre o que decido fazer! Não aguento a tua descrença, que droga! Só falta chamar teu amigo para rir contigo! Qual amigo? Aquele que acabou de entrar na sala, olha lá, ele está fumando e você já o viu e agora está dissimulando. Pensas que não percebi? Ora, vai lá, então! Não vê que é outro idiota, vai lá, aproveita e o convença parar de fumar também! Exatamente! Faça a tua parte, vá lá, descarregue tua raiva de abstinência reprimida em cima do coitado! Não, não, isso já está se tornando puro fiasco. Será que posso mesmo convencê-lo a largar o cigarro? E agora? Vou ou não vou? Está bem, vou lá então. Poxa, demorou, hein! Ficar nesse vou, não vou, não resolve nada. Barbaridade, que indecisão. Mas que diabo, assim faço papel de besta, parei de fumar, engana quem tu quiseres, eu te conheço muito bem, tu não me enganas! Cala tua boca, desgraçado, não retrocedo numa decisão tomada, já te disse, o infeliz! Está bem, pode rir! Isso, debocha, mas não roerei unha, não chuparei bala, não mascarei chicle, nem tomarei pílula, nem se eu estiver desesperado! Que chato tudo isso! Desgruda de mim!

Olha lá, olha lá, ele acendeu outro cigarro, que louco, que descontrolado, continua fumando, continua prejudicando a saúde, vou lá, ele precisa, sim, largar esse vício terrível, também! Sério? Está falando sério, pretende ajudá-lo? Nesse caso, então, precisa agir rápido, não vê que ele já está saindo da sala, está indo embora, chama logo, idiota, chama logo, rápido, rápido, ele está indo embora, chama rápido, rápido, chama logo!

— Ô Souza, me dá um cigarro!

 — Ué! Tu não havias parado de fumar?

 — Havia, sim! Inclusive, joguei fora uma carteira cheiinha!

— Então?

— Então é isso, que acontece. Meus pensamentos ainda continuam em conflito comigo. Veja isso: um lado insiste em eu voltar a fumar, o outro lado dizendo que não! Bah, Meu, que baita tortura é tudo isso! Que coisa mais absurda! Nem um dos lados se entende, nem queira passar por isso, fiquei completamente nervoso, fiquei ansioso com toda essa discussão. Simplesmente, perderam o controle, uma coisa impressionante. Preciso dum cigarro urgente para enfim me acalmar, eles vão botar tudo a perder, nem quero participar dessa briga, que se entendam sem mim, chega, não tenho mais saco, não tenho mais paciência de aturar, eles que se entendam sem mim!