QUASE LÍRICO SE NÃO FOSSE FILOSÓFICO






























De qual maneira eu saber
De onde vim, para aonde vou
Se o céu, as estrelas
A imensidão do mistério
Sem começo sem fim
Ser a sorte do acaso
Da gente estar aqui
Nesse encontro orbital…

ELEGIA DO EXISTENCIALISMO






















Minha fé não é tanta
Se minha fosse tanta
Algo de mim se perderia
Como se perde a vida na morte
Sem saber do mistério
Dessa náusea que me consome
Donde tudo termina sem começar.
Sim, minha fé não é tanta
Pois se fosse tanta fé
O mistério não seria o meio
Não haveria início
Nem a necessidade do fim
Porque não existiria o nada
Nem o nada de mim.

O GRITO DO IPIRANGA

Estava passando de carro pela marginal
Vindo lá da estrada de Santos…
Por acaso não ouviram lá do Ipiranga
Às margens plácidas poluídas
Um brado retumbante?
Sim, por mais de uma vez, escutei gritando:
— Canalhas! Canalhas! Canalhas!

O FUNIL DO FUTURO



Você pensa o bem do próprio futuro
Pensa o bem do próprio futuro
O bem do próprio futuro
Do próprio futuro
Próprio futuro
Futuro
Futu
Fu
de
u

ENQUANTO ELA NÃO CHEGAR


   

Era noite. Céu estrelado. O vento breve ficou mais longo. Soprou as árvores da minha janela, o gemido de mulher que o fez imaginar ela vindo até ele. Tinha o olhar brilhante, pele à flor da pele arrepiada em prazer. Vinha, sim, com este olhar irresistível, onde, lentamente, nessa prosa de estrada passando dentro dele, constatava cena surpreendente tomando conta da imaginação. O vento continuava lhe arrebatando os sentidos, como se cada folha desprendida dos ramos das árvores, voando solta pelo ar, fosse a parte minúscula do seu ser. E com que desejo reprimido, foi arrancando as folhas de dentro, uma a uma, excitado, aquela ereção de latejo sob fecho do jeans... 

De sobressalto abri as pálpebras de medo. Temia imaginar o que tentava resistir, ela vindo seminua no assento de trás, entre beijos e afagos, as mãos ora subindo, ora descendo por debaixo da saia, da blusa, buscando o formato liso dos seios, os contornos, os retornos de idas e vindas sobre coxas macias, buscando o púbis desnudado. Os lábios na boca, feito favo de mel, e já por cima…, mas por cima de quem estariam os gemidos banhados de fogo por ela e por quem? Eu não sei, eu não sei, mas gemia o gemido dos meus sentidos em suspiros, murmúrios, sussurros, todos os orgasmos não pareciam ter mais fim! E nesse tremor da imaginação, ouvindo o vento soprar nos ramos das árvores, ela vinha num sonho de folha solta, breve suspiro, enquanto ela não chegar. 

As folhas das árvores continuavam caindo sob o luar, o vento brando de brisa no fim. E agora, será que ela vem? Sem ela, sou folha caída, nem vento, nem brisa, ninguém.

O NAMORO DOS ANJOS


       


Ela tem os cabelos negros, bem lisos, da mesma cor do seu próprio olhar. E o corpo, ah, o corpo, a textura de pele da cor de canela, que também vejo nesse café derramado sobre folhas brancas do caderno de poemas!

Ela é magra, os seios ainda miúdos, mas redondos no corpo crescido de mulher! E quando, então, ela passa na minha calçada, com olhar triste no chão, com passo tão curto, tão tímido, vindo de braços cruzados sobre os seios apertados, parece não ver e nem sentir minha presença. Aliás, como se ninguém estivesse mesmo por ali, nem eu existisse, somente ela passando em silêncio, num silêncio noturno de mar…

Mas tudo isso acontece porque faz parte do nosso ritual de fingir que não estávamos ali. Nenhum de nós existia, também, apenas esse longo chove e não molha por mais de duas semanas seguidas, somente ela passando por mim, enquanto, já de puro desejo por ela, eu precisava fingir de não entender, apenas dissimular nada saber.

 Então chegou fevereiro, dia de Iemanjá, e o nosso namoro engrenou: ela tomou o meu olhar entardecido de sombra e água fresca sob o cântico sereno da sereia. Senti o perfume doce das rosas-vermelhas, o sabor do batom misturado com água salgada do mar, que quando me dei por mim, eu já estava beijando seus lábios por entre as ondas. Depois dormíamos juntos, ríamos de nós e de tudo, vivendo um para o outro.

Era o nosso amor, o namoro dos anjos no mundo. Sim, ficamos nesse bom viver romântico por quase dois anos, assim: ela pensando em mim, enquanto eu acreditava nisso o tempo inteiro. E fazíamos quase tudo sempre juntos. Era como um cinema o nosso passeio pelas ruas da cidade, sem dinheiro, sem documentos, somente nossa identidade do olhar. Éramos felizes por ter um ao outro, de verdade.

Um dia, porém, sei lá, nosso namoro desmoronou. Ela tomou meu olhar de lua enciumada, que, quando dei por mim, eu estava mordendo os lábios de raiva. 

Então, começamos a dormir separados. Chorávamos por nós e por tudo. E tudo, lentamente, morria cada vez mais um pouco em nós. 

Agora olhamos o nosso namoro dos anjos seguindo mais longe, além do horizonte, sobre as ondas do mar, deixando-nos a saudade profunda e tão-somente sozinhos, muito sozinhos de nós mesmos e do mundo, também.

FILOSOFIA AO ANOITECER





Imagem Arnedo Javier Pérez

De qual maneira, saber de onde vim. E para onde vou, ainda mais por também saber que o céu, as estrelas, toda essa imensidão sem começo, sem fim, até parece uma sorte do acaso a gente estar aqui.

Eis infinita grandeza, amiúde, sem começo, sem fim, a dizer-me dos universos de seres e órbitas existentes aqui e acolá, como se vivêssemos e morrêssemos presos ao chão sem saber nem para qual fim a razão de existir.

Que me resta eu querer acreditar se a minha fé não é tanta, ainda que constato ser uma existência, ainda que se perceba o mistério da morte ser também a náusea que me consome até o fim.

Que me resta saber se nem sei onde tudo começa e termina, como então saber esse mistério? Eis minha dúvida, quiçá não existe o nada, mesmo, apenas tão-somente, isso: o óbvio de continuar sem nada saber!