Ela tem os cabelos negros, bem lisos, da mesma cor do seu próprio olhar. E o corpo, ah, o corpo, a textura de pele da cor de canela, que também vejo nesse café derramado sobre folhas brancas do caderno de poemas!
Ela é magra, os seios ainda miúdos, mas redondos no corpo
crescido de mulher! E quando, então, ela passa na minha calçada, com olhar
triste no chão, com passo tão curto, tão tímido, vindo de braços cruzados sobre
os seios apertados, parece não ver e nem sentir minha presença. Aliás, como se
ninguém estivesse mesmo por ali, nem eu existisse, somente ela passando em
silêncio, num silêncio noturno de mar…
Mas tudo isso acontece porque faz parte do nosso ritual de
fingir que não estávamos ali. Nenhum de nós existia, também, apenas esse longo
chove e não molha por mais de duas semanas seguidas, somente ela passando por
mim, enquanto, já de puro desejo por ela, eu precisava fingir de não entender, apenas
dissimular nada saber.
Era o nosso amor, o namoro dos anjos no mundo. Sim, ficamos
nesse bom viver romântico por quase dois anos, assim: ela pensando em mim,
enquanto eu acreditava nisso o tempo inteiro. E fazíamos quase tudo sempre
juntos. Era como um cinema o nosso passeio pelas ruas da cidade, sem dinheiro,
sem documentos, somente nossa identidade do olhar. Éramos felizes por ter um ao
outro, de verdade.
Um dia, porém, sei lá, nosso namoro desmoronou. Ela tomou
meu olhar de lua enciumada, que, quando dei por mim, eu estava mordendo os
lábios de raiva.
Então, começamos a dormir separados. Chorávamos por nós e
por tudo. E tudo, lentamente, morria cada vez mais um pouco em nós.
Agora olhamos o nosso namoro dos anjos seguindo mais longe,
além do horizonte, sobre as ondas do mar, deixando-nos a saudade profunda e
tão-somente sozinhos, muito sozinhos de nós mesmos e do mundo, também.