O ESPÍRITO DE NATAL





















O natal é bom para toda a criançada, seja rica, ou seja, pobre, não importa, elas sempre se divertem, correm e brincam, e até brigam por qualquer coisa, também…

Por falar nisso, o Natal também reúne as famílias para novas discussões; ou, então, aproveitam o momento para fazer as pazes pelo conflito gerado no natal anterior. 

Melhor assim, sem discussões. Ficar de boa é a melhor escolha, a melhor opção, não há dúvida disso. Afinal de contas, o Natal acontece uma vez por ano, não é mesmo? Claro, o ano novo é assim, bem como o aniversário de cada um, também. 

E quem tem o privilégio de comer peru assado com salada de maionese de maça, ela passa mais rapidinho goela abaixo uma vez por ano, também. 

Falei, passa? Sim, passas de uva, que lembra o verbo passando no arroz à grega, com a salada de maçã. Pois bem, o Natal é assim mesmo: o cardápio muda até para quem também curte um churrasco à moda gaúcha. A propósito, olha ali a passa, a maça, ambas dando oi ao nosso sabor! Todo final de ano tem essa dupla, inclusive o tradicional panetone no café da manhã. Isso é bom. Verdade! 

O natal, por mais que esteja embutida a ideia comercial na vida de todos nós, ainda assim é preciso manter a mensagem de paz, sobretudo na origem mais simples da confraternização dos povos! Ora, pois se o Natal não fosse tão importante, não fosse tão necessário, nem mesmo em tempos de guerra, o espírito natalino não seria lembrado. 

Inclusive, já houve soldados que se sentaram em volta do fogo para confraternizar nesse momento solene de paz, porém, por questão de segurança, sem prescindir da sentinela, é claro, fazer o que. Não importa, vamos, então, curtir o natal mesmo nesses tempos estranhos, esquisitos, absurdos, haja visto tantas ameaças, ofensas, extremismos. Sejamos, então, um abraço sincero, uma palavra amiga, tranquila. Que o Natal nos remeta ao sentimento de haver, sim, paz na Terra pelos bem-aventurados serem os conciliadores, os pacificadores, portanto, não há como permitir ou aceitar que o ódio fermente nos corações!



Nota:

Com exceções — aliás, muito raras — já existiram casos de soldados interromperem o confronto para celebrar a ceia de natal. Na Guerra Civil Americana, em 1864, por exemplo, alguns soldados da União e da Confederação fizeram trégua para celebrar o Natal. Também na Guerra Russo-japonês, em 1904, vários soldados russos e japoneses fizeram trégua nesse dia. 

Já a trégua de Natal de 1914 é o exemplo mais famoso de soldados que fizeram trégua nesse dia especial. Ela ocorreu durante a Primeira Guerra Mundial, na Frente Ocidental, entre soldados britânicos, alemães e franceses. Na véspera de Natal, os soldados alemães começaram a decorar suas trincheiras com árvores de Natal e velas. Os soldados britânicos e franceses ficaram surpresos e, em alguns lugares, começaram a responder da mesma forma. 

No dia de Natal, os soldados das trincheiras vizinhas começaram a se comunicar entre si, usando sinais de fumaça ou gritos. Em alguns lugares, eles até se reuniram no meio do campo de batalha para trocar presentes, cantar músicas natalinas e jogar futebol. A trégua durou apenas algumas horas, mas foi um momento de também servir de lembrete de que, mesmo em tempos difíceis, há sempre espaço para a humanidade e a fraternidade. Isso é um símbolo de esperança e solidariedade, mesmo em tempos de guerra, embora tenha sido casos isolados do confronto geral. 




NOVA AMIZADE

(foto acervo pessoal)


Arrumei companhia enquanto navego na internet. Geralmente é no final da tarde, quando o dia já abana o frescor da brisa na minha janela. Nossa amizade ainda é muito recente. Hoje completam duas semanas. Além disso, nos dois primeiros dias não trocamos ideia nenhuma, nenhuma palavra, exceto aquela conversa de olhar ressabiado, de apenas um ficar olhando a cara do outro em silêncio. Por sorte, durou pouco tempo, é verdade, logo nos sentimos mais à vontade, embora continuasse intrigado com a luz do mouse piscando toda vez que o movia, enquanto clicava meus e-mails. Agora não. Ela agora se acostumou comigo e também com esse ratinho cibernético luminoso. Particularmente, tornamo-nos mais amigos, sem mais fazer cerimônias. Inclusive já estive em sua casa… 

Bem. Foi sem querer, é claro. Puxei o livro da estante e ali estava tirando uma pestana atrás do segundo volume de A Sabedoria da Índia e da China, de Lin Yutang…

Caramba! Falar nisso, agora me dou por conta: tal coincidência não seria um aviso, uma advertência budista? Sim, ‘cada ser vivo em seu devido lugar da natureza divina’. Sábias palavras, apesar da predação biológica da sobrevivência das espécies. Tudo bem. Sei que, falando assim, as pessoas não entenderão o que digo. Para falar a verdade, porém, quem não entende sou eu, evidentemente isso após constatar como pode haver pessoas que sentem nojo ou pavor destas criaturas tão limpinhas. Sim, basta avistar uma delas andando pelas paredes, já lhes provocam sensações esquisitas. Sempre existe quem peça até vassouradas para esmagá-las de vez! Que crueldade. Ora, as lagartixas são completamente inofensivas para nós, aliás, ditos seres humanos racionais do planeta. Além disso, não são moscas, mosquitos, baratas ou outros insetos assustadores, como aranhas ou pequenos escorpiões. Na verdade, quem se assustou foi ela, a lagartixa. Ela dormia tranquilamente no seu esconderijo protegido por muralhas (lar doce lar) dos livros emparedados na estante. Descobri-la ali, no entanto, foi um susto repentino a ela, não a mim. Isso devido ao clarão de luz e não por minha estúpida invasão de privacidade. Logo reconheceu quem era o intruso, então, antes que eu tornasse a fechar o vão, repondo o livro no lugar, ela sorriu, desculpando-me pela intromissão, afinal já nos conhecíamos. 

As lagartixas não são nocivas ao ser humano. Ao contrário, são benéficas por ajudarem a controlar a população de moscas, mosquitos e até baratas. São répteis de pequeno porte. Medem entre 10 e 20 centímetros de comprimento. São inofensivas. Elas são encontradas em todo o mundo, inclusive no Brasil. Preferem caçar insetos à noite. Evidentemente, vedar frestas e buracos nas paredes e janelas, ou usar repelentes naturais, como óleo de citronela, por exemplo, afasta-as do ambiente. No entanto, lembre-se de que elas são animais benéficos, não há necessidade de eliminá-las, não há por que fazer isso. 




200 DIAS SEM LULA




Ainda me lembro do Lula saindo da sede do sindicato dos metalúrgicos para se entregar à Polícia Federal. Saiu ‘sozinho’, a pé, isso depois de várias tentativas de militantes nos portões do sindicato tentando impedi-lo de cometer esse erro, achavam imprudente. Sim, muitos entendiam do mesmo modo como havia acontecido com a presidenta Dilma Rousseff, ela também errara em confiar na decisão do congresso e senado, levando esse posicionamento às decisões finais do Supremo Tribunal Federal até as últimas consequências, portanto, não seria diferente com Lula, afinal, Dilma sofrera o golpe “com supremo com tudo”. Lula foi preso sem mesmo a decisão transitar em julgado. 

De lá para cá, já se passaram 200 dias e ele continua em confinamento sem poder dar uma entrevista sequer, além de todas as arbitrariedades posteriores, como o impedimento da sua candidatura. Em suma, ele ficou isolado, incomunicável com a sociedade, como se fosse uma ameaça absoluta, cuja medida não se aplica nem mesmo aos bandidos de alta periculosidade — haja visto que estes circulam na mídia, de quando em quando, conforme o interesse da opinião pública, pelo menos dando alguma entrevista. No entanto, Lula não é criminoso. Por acaso ficou provado sua culpa? Onde estão as provas? Aliás, todos sabem que o tal tríplex foi confiscado do patrimônio da OAS  e não do patrimônio do Lula. A sociedade brasileira, ou é hipócrita, ou é vítima do sensacionalismo, afinal, criou-se em torno dele um grande espetáculo midiático. Martelaram dia e noite em cima dessa cruz, a qual ele deveria carregar daqui por diante. Parte da opinião pública também contribuiu com seu preguinho diário, também todos já estavam convencidos da sua culpa. 

Passaram-se 200 dias e o mesmo juiz que o condenou agora será o ministro da justiça no governo Bolsonaro. Lembre-se de que este mesmo juiz havia dito que não entraria para a política. Há vídeos, entrevistas com ele falando sobre isso. O que foi essa mudança de posicionamento, assim, de repente? Como assim? Será que a farsa ainda não ficou evidenciada desde o princípio? Ora, meus senhores, minhas senhoras, a ingenuidade é totalmente aceitável em nossos filhos de pouca idade. Aos alienados, aos despolitizados, aos inconsequentes, também é até perdoável, tolerável. Refiro-me aos esclarecidos. Será que a palavra adequada não é hipocrisia? Não seria, também, um certo sentimento de acovardamento? 

As discussões são vastas, sobretudo aos analistas políticos que possuem elevada experiência em narrativas mais longas e mais aprofundadas para apurar os fatos aqui, concisos. Eu não sou a pessoa certa para dizer isso. Sou um mero cidadão comum mediano, sou do povo. No entanto, estou totalmente insatisfeito de ver o ex-presidente Lula confinado como se fosse um criminoso de alta periculosidade. Esqueceram do que foi feito em seu governo? 

Pois, considero um total desrespeito e mau-reconhecimento da nação brasileira. Quem ainda tem dúvida disso basta analisar os fatos, todas as incoerências, todos os absurdos que dizem, dele, agora. Digo mais. Pode escutar os mesmos questionamentos quando for passar férias no exterior. Sim, tudo lá é tão chique, maravilhoso, seletivo, não é mesmo? Porém, possivelmente, comentário como este agora também poderá ocorrer:
— És do país cujo presidente quis tirar o povo da miséria e da fome e vocês, tão ricos investidores, simplesmente não o deixaram fazer isso? Sim, o vosso país é assim mesmo, é verdade. Entendo, mas quando é que esse jeitinho brasileiro terá fim?


A FACADA



















Agora escuto no rádio o boletim médico do es-tado de saúde do candidato presidenciável. Do jeito que o locutor narra, dá impressão de que muitos ouvintes já estejam até com lenços descartáveis à mão, que desespero, meu deus. Sim, a voz dele é triste, quase embargada, até senti pena dele, do jornalista. 

Do candidato? Bem, também estou perplexo, estou choca-do. Barbaridade, a que ponto chegou a hipocrisia, que absurdo, isso realmente é terrível. Parece que o mito agora conseguiu mobilizar a todos. 

A mídia, a sociedade brasileira, a opinião pública, enfim, o todo, agora só falam dele o tempo inteiro. A facada produziu grande impacto, enorme efeito trágico e bem oportuno. Segundo o jornalista, agora de voz mais alterada, o agressor sofre de problemas psíquicos. Por sorte, não houve linchamento. Aliás, algo bastante curioso, muito estranho. 

Na delegacia, ele declarou que atuou amando de Deus. De fato, basta analisar o perfil nas redes sociais, se bem que agora ele não detém mais a senha.

Desliguei o rádio. Estou cheio disso tudo. Também sinto uma certa vergonha de ser brasileiro. Sim, pois veja bem, esse Bolsonaro vem ameaçando o povo já de algum tempo, no entanto, tem muita gente o idolatrando. 

Se não me falha a memória, há mais de dois ou três anos, no impeachment contra a Dilma, ele também idolatrou até o Brilhante Ustra, que, segundo consta, foi torturador do DOI-CODI, em São Paulo, sim, algoz responsável pelo desaparecimento de muitas pessoas; por isso mesmo, Bolsonaro defende a tortura, acrescentando que a ditadura matou pouca gente, pois tinha que matar todos; também declarou acerca dos familiares que ainda buscavam o paradeiro dos seus entes desaparecidos no período militar, dizendo que “quem gosta de procurar osso é cachorro”; além disso, diante da deputada federal (precisa citar quem?) se comportou com muita falta de hombridade e cavalhei-rismo, faltando com respeito e educação, polidez, dizendo que “só não a estupraria porque ela não merecia”; enfim, que metralhará a rocinha; que matará todos os petistas, que pelo menos uns 30 mil, realizando aquele gesto idiota de empunhar uma fictícia metralhadora disparando a esmo, em campanha eleitoral no Acre; que não é racista, nunca foi, mas zomba com escárnio os quilombolas diante de uma plateia de judeus, cujos antepassados foram massacrados por racismo no holocausto insano provocado pelos nazistas. 

Assim se comporta esse cidadão que se diz cristão, que declara Deus acima de tudo, mas, em simultâneo, propaga ódio, preconceito, homofobia e xenofobia, e tudo assim, de modo aparentemente natural, brincalhão, justificando-se nas entrevistas da TV. 

Sim, brincalhão ao provocar até risos dentre aplausos de seus admiradores, bradando, mito, como alcunha de herói. Lentamente ele está contagiando a todos, recrutando cada vez mais seguidores. Possivelmente, muitas pessoas devem possuir a mesma índole, tipo MBL , ou adeptos da intervenção militar no país, os quais tentam mobilizar com protestos ainda isolados, propagando esse ideal nostálgico como projeto de ele ser um mito, surgindo como messias, aliás, até consta no sobrenome. 

No entanto, que ideal? Que projeto? Messias? Ora, é somente ódio que ele prega! Faz escárnio, debocha, só isso! Por várias vezes tenta calar a voz da perseguida esquerda pela violência! Isso mesmo, seus seguidores chegam a agredir nas ruas qualquer pessoa que estiver usando camisa da cor vermelha, o que dirá do PT ou boné do MST! 

Os acontecimentos dos partidários são muitos, não são poucos, pois se analisarmos bem toda a situação que se criou em volta do seu nome, quem nos garante que até mesmo o assassinato da vereadora Marielle Franco não tenha algum ou alguns deles, também? 

Bem, são muitos militares apoiadores, evidentemente; ora, por que então não haveria de ter pelo menos um ou mais, envolvido? E o que dizer dos atentados contra a caravana do Lula no sul do país? É fato incontestável: havia muitos deles protestando. Além disso, o que dizer da senadora gaúcha (precisa citar o nome?), apoiando o escorraçamento de petistas em praça pública, ao declarar, em discurso, esclarecen-do que “é assim mesmo que se faz, na minha terra, baixamos o relho no lombo”

E o que dizer do ataque contra o acampamento Marisa Letícia, em Curitiba, onde os agressores apareceram disparando tiros enquanto gritavam raivosamente: “viva Bolsonaro”? Sim, inclusive uma das vítimas foi atingida no pescoço e até hoje sofre duras consequências. Será que não lembram ou não sabem disso? 

Se não sabem disso, até entendo. A mídia pouco divulga, é verdade. Apenas notinhas de rodapés, breves comunicados, francamente. Entretanto, consulte as fontes corretas. Consulte Google, YouTube, porque as devidas notícias da mídia mais conservadora não fazem muita questão de destacar isso como manchetes. Por quê? Dá impressão de que tanto pior tanto melhor irá ficar. Aliás, muitos sabem disso. Há muitas testemunhas de atos violentos contra várias pessoas em vários lugares do país. São universidades, grupos e estudantes desrespeitados, bem como muitos trabalhadores, mas todos bradando: “fora fascista”, “fascistas não passarão”! Isso sem mencionar os festejos exibicionistas dos bolsonaristas durante vários massacres nas penitenciárias ou até mesmo dos assassinatos de integrantes do MST! 

Então? Será que tudo isso ficará esquecido? Por acaso nada disso é motivo de produzir grande impacto ou comoção na sociedade também? Será que nenhum deles não é brasileiro igual a nós? 

Bolsonaro, segundo disseram os médicos nas entrevistas, precisou de muito sangue durante a cirurgia, tal a gravidade do ataque insano; ora, sabemos, por experiência própria, que todo sangue doado pode, sim, ser utilizado em larga transfusão como essas, já que precisou de cirurgia. 

Pois, bem, quem garante não ter recebido sangue de algum petista ou quilombola que tanto ele persegue e maltrata? Quem lhe garante não ter sido de um gay ou de um possível comunista? Sim, comunista! Será que nada disso ele não pensou ou refletiu de verdade? 

Não entendo esse mito ser tão esplêndido e admirado por boa parte da sociedade brasileira. Sinceramente. Quem passa por uma cirurgia complexa, com anestesia, transfusão, sob atendimento de profissionais da saúde, zelosos, não seria para ele, depois, parar de continuar conduzindo gestos de ainda matar, executar, dizimar, como ainda demonstrou no leito do hospital diante das câmeras de TV? Não deveria ser gestos de paz, convalescimento e agradecimento? 

Sim. Foi salvo, protegido, não foi? Tantos cuidados, carinhos, atenção, em sua volta! Será que a cor da pele, a crença religiosa, a ideologia política, será que isso é tão importante? Tenho certeza que essa hora de con-fraternização com a vida, veja bem, muitos de nós estaríamos agradecendo a Deus, o criador de todos os mortais; essa hora, por exemplo, pensaríamos o que seria das nossas vidas se não houvesse doadores de sangue voluntários. Ora, não foi nem capaz de aproveitar o instante para incentivar a campanha de doação sem gastar um tostão na mídia. 

Por isso, não entendo gente assim. Na verdade, nem quero entender mais. As diversidades dos cristãos são muitas, é verdade, até se escapam dos dogmatismos, das crenças, da fé entre eles mesmos. Portanto, se comparamos esses martírios absurdos, podemos também nos equivocar, sejam falsos ou verdadeiros, difícil mesmo de analisar, quiçá acreditar. Messias? Ora, sejamos francos, sejamos sinceros conosco, mesmos, ele não passa de um impostor, um fariseu, um vigarista fantasiado de líder político!
















A MORTE

















A morte natural é tão fria. 
É cruelmente gélida, absurda.
Se apaga concretizando a chama diminuta no pavio
Também a morte da chama derretida
Todo o belo sonho desmedido 
Eternidade de outrora
Neste mero brilho pálido de agora
Aqui jaz afogado o líquido rígido 
O calor morno da cera movediça
Ar das entranhas da resistência química
Resto de luz súbita para o além-distante:
O último suspiro de vida. 




CONVERSAS QUASE LÍRICAS (II)































O poema ela não lia.
Não escrevia a vida, sentia.
Nada existia o verso, vivia.
Não existia a rima, sofria.
Nem a voz calada, emitia.
Era tão belo admirar.
Era sempre tão doce constatar:
O brilho do seu olhar a me olhar.

RÉQUIEM






























Nós, morre, sim.
Ela é singularmente pural.
Sim, mais de uma vez
Perdem-se as contas de quantas vezes 
Se morre em cada amanhecer. 
A existência nem liga, esquece de nós:
Eu de você, você de mim.
Sim, nós morremos com os dias.
Não adianta lamentos, suspiros.
A vida não sabe mais mentir como antes,
Quando a verdade da morte parecia até nunca existir.

UM CARA DO MEU TEMPO

Desenho à caneta

Sou antigo. Século XX. Século romano, claro. Porque, sob a escala do tempo científico, obviamente não sou tão antigo assim como se pensa ser; ao contrário, sou um mero viajante ainda recém-nascido, há cerca de 200 mil anos, então só estou passando por aqui, neste planeta de quase cinco bilhões de anos, em verso e prosa, claro, também com café ou chimarrão por companhia à solidão. Trago a nostalgia na bagagem de mão, mas também um pouco de insatisfação. Sou um cara do meu tempo revisando poeticamente meu passado sem glorificação, apenas recordando que sou do tempo do LP e fita cassete e televisão. Sou do tempo das reuniões de garagem, de dançar agarradinho ouvindo a lenta canção. Também do tempo de rasgar o verso, a rima parnasiana. Do tempo em que se amava ler um bom livro em paz, em silêncio, horas a fio. Do tempo, aliás, de entrar no sebo em busca do livro de bolso de menor preço, mesmo que já estivesse cheio de mofo e traça. Sou do tempo em que eu escrevia cartas às vezes longas, às vezes curtas, dependendo do humor ou graça do dia, e havia envelopes e selos de todos os tipos junto ao bloco de pauta. Sou do tempo que dava flores para a namorada sem ela achar isso antiquado ou coisa de besta, mas por entender querer só fazer um agrado perfumado, dissimulando meu desodorante barato debaixo dos braços. Também sou do tempo do caderninho de fiado do armazém da esquina, daquele pão de um quarto ou meio quilo, ou de fritar bolinhos de chuva para assistir à sessão da tarde esticado no sofá da sala, entre portas e janelas escancaradas para a rua. Sou do tempo do jornal arremessado no pátio, ou à varanda em dias de chão molhado pela chuva. Sou do tempo do portão de trinco entreaberto, meu cão vira-lata fugindo para um breve passeio até o poste da esquina. Enfim, sou do tempo de sentar no muro baixo da casa, conversar com a vizinha, com a turma, nossos melhores amigos, então riamos, brincávamos, ou, em noite estrelada, em silêncio, admirávamos a lua cheia com ares de filósofo solene, pensativo. Sou do tempo de a gente respeitar a liberdade, mesmo com militares tiranos em nossos calcanhares. Sou do tempo dos festivais livres, apesar da música brasileira sob censura. Aliás, sou do tempo em que se ouvia Tom Jobim, João Gilberto, Vinícius de Moraes, Chico Buarque de Holanda, Caetano e Gil e Belchior. Eram nossas tábuas salva-vidas românticas, líricas, que, durante a tempestade das influências, clamava por nossa própria musicalidade. Sou do tempo em que não se confundia o indigenista Vilas Boas com o erudito Villa Lobos, pois ambos amavam a floresta amazônica. Sou do tempo em transição, a perda da democracia por poderes da violência do AI-5. Sim, do tempo em que se matava, antes, para se perguntar depois. Sou do tempo que votei no sindicalista do ABC. Sou do tempo em que, apesar de a opinião pública andar ludibriada, acreditava na minha verdade, no meu amor e na minha razão, cujo triangulo era meu Norte. Por tudo isso, também era do tempo em que não se deveria criticar o sentimento da nação. Também não confundir a gentileza com temor ou covardia. Isso, claro, isso por questão de ter que ouvir mais e falar menos. Não que isso fosse questão de abuso de autoridade, mas porque todos têm duas orelhas e uma boca, portanto, falar menos, escutar mais. Afinal, poderia ser considerado desrespeito, falta de educação querer ensinar os mais velhos, mesmo que a maioria fosse, sim, da pá virada, não importava, a gente precisava continuar nossa caminhada.





SEGUNDA NOTA




AVISO

Todos os escrevinhados deste autor que vos fala nestas linhas do blogguer, salvo aviso de segunda hora, obviamente declara ser obra literária de ficção; portanto, qualquer semelhança com fatos do vasto mundo real, que fique bem claro se tratar de coincidência com fatos do mundo da ficção, isto é, sendo tudo fruto da imaginação!

CONVERSAS QUASE LÍRICAS (I)




























Perdoa os dias tristes 
Nada tem graça de ver
A vida correr, desaparecer
Levando da vida o nosso desviver
Posto que o sol, lá no horizonte
Também pouco se importa amanhecer.