Preciso caminhar um
pouco. Quase não caminho, ultimamente. Quem sabe subo a ladeira da minha rua?
Não. Melhor pegar a descida. Detesto subir quando recém me levanto da cama.
Aliás, descer todo santo ajuda. E quando eu retornar, a subida não será tão
pior. É caminho mais curto. Posso voltar pelo atalho do meio, por ser mais
plano e arborizado. Assim, economizarei energia para subir a parte mais
íngreme. Não que eu seja preguiçoso, ou esteja só me queixando. É que continuo
me recuperando da cirurgia. Tumor no intestino. Por sorte, não precisei usar
sonda em momento algum. Além disso, ando enjoado de ver isso na televisão, nos
jornais. Um saco. É devido à cirurgia que tenho passado muito tempo deitado.
Isso é ruim. Tenho impressão de o meu corpo ficar mais mole do que o próprio
colchão. Variadas posições já me cansam. Os braços, também. O livro começa a
pesar. Cai das mãos. Perco a página, o parágrafo, o assunto e, quando isso
acontece, é hora de caminhar.
Agora
estou diante da porta, indeciso. Pensando bem, melhor eu subir a rua. Se eu
descer, será pior. Ficarei cansado subindo depois. Tudo bem que eu tenha
recém-levantado da cama. Não estava dormindo mesmo. Estava só lendo. Pelo menos
estou relaxado. Terei mais energia de subir agora do que fazer isso depois.
Também não quero ajuda de santo nenhum. É só vigarice. Droga. Parece que vem
chuva. Do jeito que as nuvens se aproximam, a chuva pode ser mais forte. Pior.
Para o lado de cima, não há muitas árvores. Se eu estiver caminhando e começar
a chover, não terei muita opção de me proteger. O médico disse para não molhar
o curativo. Hum! Para o lado de baixo, é bastante arborizado, mas é
escorregadio devido às folhas. Melhor eu fechar a janela. Acabei de ver um
relâmpago. Onde será que enfiei meu guarda-chuva? Se a chuva for muito forte,
não adianta proteção nenhuma. Não encontro o guarda-chuva em lugar nenhum.
O
vizinho ligou o rádio. Está trocando as estações, talvez procurando informações
do tempo. Continuo procurando o guarda-chuva. Pelo visto, já deve estar
chovendo aqui por perto, até sinto cheiro de chuva. O rádio continua pulando de
estação em estação. Fala somente uns cinco ou seis segundos apenas. Agora é
música sertaneja. Mais sertanejo, que diabo, milonga, que é bom, nem parece que
existe, até parece que não somos mais gaúchos. Agora é notícia de assalto.
Assassinato, também. Outra música sertaneja, benza Deus! Meteorologia? Nada!
Agora o assunto é religião. Não sei se de padre ou de pastor, o vizinho está de
dedos inquietos, mudou a estação, não deu tempo de saber. Sertanejo. Sertanejo,
de novo. Outra estação, falando de religião, o pastor está dizendo: e a verdade vos libertará… Espera, não é
pastor, não é padre. Meu Deus, é o diabo do presidente!
—
Droga, subirei a rua sem guarda-chuva mesmo!