13 de jun. de 2025

O VELHO ÓDIO

 


O Velho Ódio

 

Os sóis caem sobre Tel Aviv como brasas no olho do deserto. Netanyahu fica à janela, o rosto talhado em sombras duras, os olhos, dois pedaços de carvão acesos. Tem as mãos calejadas de tanto apertar gatilhos invisíveis, de tanto assinar ordens que chegam a Gaza como trovões de chumbo.


"Eles nos oprimem", diz ele, baixo, para os fantasmas que o rodeiam. "Os persas, os árabes, o mundo inteiro nos oprimem."


Mas o vento que vem do mar traz o cheiro de pólvora e sangue, e as paredes do seu gabinete murmuram nomes em hebraico e árabe, todos iguais: mortos, mortos, mortos, e mais mortos no fim.


Lá fora, as ruas de Gaza são um tapete de escombros, e pais cavam com as mãos nuas entre os destroços, buscando os filhos que o fogo de Netanyahu engoliu. Quem oprime quem? O velho líder sabe a resposta, mas a enterra fundo dentro de si, como um soldado enterra a baioneta na terra molhada depois da batalha.


"Se não dominarmos o Oriente Médio, eles nos dominarão", pensa, enquanto acaricia o mapa como quem afia uma faca. Mas os mapas são traiçoeiros — nunca mostram os ossos que os sustentam.


No Irã, os aiatolás, em surdina, olham para o líder de Israel, e dizem: "O monstro que nos justifica." E assim gira essa roda, o sangue alimentando o sangue, o ódio justificando o ódio.


Netanyahu olha para o céu, onde os drones zumbem como moscas sobre a carne podre. Talvez ele sonhe com um império. Talvez só tema o abismo.


Será que ele não sabe que o homem que luta contra as feras pode acabar se tornando uma pior?


No fim, não há vencedores nas guerras eternas. Só sobreviventes, cada vez mais sozinhos, cada vez mais vazios... enquanto isso, o Mediterrâneo, indiferente, continua a levar os corpos para debaixo do chão.


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9 de jun. de 2025

SOLDADOS E SONHOS PERDIDOS

REUTERS/Omar Younis

Soldados e Sonhos Perdidos.

 

Los Angeles queima, mas não é o fogo da terra seca. É outro tipo de chama. É mais antiga, mais amarga. Dois mil soldados chegaram. Não para apagar incêndios, mas para conter homens, mulheres, crianças. Gritos em espanhol, em inglês, em medo. Trump mandou seus homens, e a Califórnia, com os dentes cerrados, os recebeu. Não é guerra civil, não. É só mais um capítulo de um livro que já estava escrito: o sonho americano virou pesadelo, e agora há tropas nas ruas para conter os protestos e guardar os escombros.


Os canais falam em revolução, em sangue, em divisão. Mentira. A divisão já estava lá — só ficou nua! Os imigrantes de Paramount e Compton não são invasores. São as pessoas que colhem seu alimento, que constroem suas casas, que limpam seus hotéis. Vieram atrás de um conto de fadas que lhes foi vendido: trabalhem duro, e serão parte disso aqui. Mas o conto tinha fim. O sonho acabou. E agora, em vez de abraçá-los, mandam soldados.


Não é sobre leis. É sobre esquecimento...


Os mesmos homens que falam em fronteiras não se lembram que seus avós atravessaram oceanos em porões de navios, famintos, perseguidos. Todos vieram de algum lugar. Todos fugiam de algo. A diferença é que alguns, ao chegarem, puxaram a escada atrás de si.


Enquanto isso, as florestas ardem. Os oceanos engolem cidades. O planeta, esse imigrante solitário no cosmos, segue girando, indiferente às nossas medíocres fronteiras inventadas.


No fim, todos somos estrangeiros, sim, na terra, no tempo, na história. E talvez um dia, quando o último muro cair e a última bandeira for queimada pelo sol, a gente entenda: não havia pátria. Só havia gente. E o dever simples de não deixar ninguém para trás.





7 de jun. de 2025

LULA E O SILÊNCIO DOS DESDENHOSOS

 

img-Portal-Gov

Lula e o Silêncio dos Desdenhosos.



Em Paris, onde a luz do sol se mistura com o peso da história, o presidente Lula caminhou nesta semana não como um mero visitante, mas como um estadista cuja voz ainda ecoa em fóruns globais. Recebido por Macron, discutindo clima, pobreza e multipolaridade, o brasileiro ocupou espaços que, em outros tempos, eram reservados apenas às potências de sempre. No entanto, enquanto isso, do outro lado do Atlântico, parte da imprensa brasileira tratou o fato com um silêncio quase cúmplice, quando não com um desdém mal disfarçado.


Não é de hoje que certos veículos trocam o jornalismo pela caricatura. Se Lula fosse um presidente alinhado aos seus interesses, cada aperto de mão em Paris seria manchete, cada discurso seria esmiuçado como “grandeza diplomática”. Mas como se trata de um líder que ousa pensar o mundo para além das redações de alguns jornais, o tratamento é outro: notas breves, contextualização rasa ou, pior, a completa ausência de destaque.


O curioso é que, enquanto o Brasil assiste a essa cobertura míope, a imprensa europeia registrou a passagem de Lula com a devida importância. Le Monde, Libération e até o rigoroso Financial Times destacaram seu papel nas discussões sobre o meio ambiente e a governança global. Aqui, porém, alguns preferem falar mais de supostos deslizes ou reduzir a visita a um “passeio”.


Paris, cidade que já viu tantas revoluções, talvez não se impressione com o pequeno teatro da má-fé jornalística. Mas o Brasil, que precisa enxergar seu lugar no mundo, merecia uma imprensa que informasse, não que escolhesse seus heróis e vilões conforme a pauta ideológica do dia. Enquanto Lula falava de soberania e cooperação, aqui se cultivava o silêncio — e não há maior desprezo do que ignorar um homem que, goste-se ou não, ainda move o mundo.


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Lula/Macron - Vídeo/YoTube👈

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Uol-Lula/Macron

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26 de mai. de 2025

DEZ FILHOS, NOVE SILÊNCIOS

 



DEZ FILHOS, NOVE SILÊNCIOS.


Todo médico conhece o peso dos corpos. Sabe que um recém-nascido cabe perfeitamente no vão de seus braços — é a vida! 


Sabe que uma criança de sete anos é mais pesada ao carregar dormindo do que acordada, que o corpo de um adolescente já tem a densidade da juventude. Mas nenhum médico aprende, em nenhum livro, o peso de nove filhos mortos ao mesmo tempo.


Ele era pai de dez. Sim, dez vezes pai. Dez vezes seu coração se dividiu e andou pelo mundo em dez corpos menores, seus filhos ainda frágeis, que possivelmente ele mesmo ajudou a trazer à luz. Dez nomes, dez risos, dez futuros — nove cruzes agora, porque o que sobreviveu está em estado grave com ele. Pai e filho, restou, ambos ainda inconscientes.


Quando a bomba caiu, ele não estava no hospital. Estava em casa, sendo pai — quem sabe assando o pão escasso, ou contando histórias lúdicas para afastar o temor, ensinando o mais novo a amarrar os sapatos, ou, ao mais velho, palavras de ânimo e resiliência ao meio do caos e toda a dor. 


A mãe também é médica, estava no hospital, salvando vidas como sempre fez. Só que desta vez, as macas traziam rostos conhecidos. Crianças com seus mesmos olhinhos que, antes, eram brilhantes, e com suas próprias cicatrizes de quedas, suas roupinhas que ela lavara com as próprias mãos, quando ainda havia um resto d'água.


Todo médico também sabe como declarar a morte. É um ato somente técnico: pulso, pupila, silêncio — é a morte. 


Mas como se declara a morte de um filho? E depois de outro? E outro? E mais outro, mais outro, assim, sucessivamente? Onde se anota tamanha atrocidade? Em qual dos formulários? E não menos pior! Onde ficará todo o universo arrancado instantaneamente da alma de uma mãe? Onde? Diga, responda, por favor! 





24 de mai. de 2025

O HOMEM QUE CAPTURAVA ALMAS

 
img-Wikipédia

O Homem Que Capturava Almas.


Era um homem alto, olhos de águia que havia visto o mundo. Não somente visto — havia sentido o mundo, em suas dores e em suas belezas. Sebastião Salgado não fotografava somente imagens; ele capturava almas.

Ele caminhava entre os homens famintos da África, entre os rostos sulcados de cansaço dos garimpeiros, entre os refugiados que carregavam filhos e histórias nas costas. Sua câmera não era apenas um instrumento — era uma extensão de seu coração. Cada clique era um suspiro, cada foto, um pedaço de humanidade arrancado do esquecimento.

Havia uma dor em seu trabalho, mas também uma esperança teimosa. Ele mostrava a miséria, sim, mas também a dignidade intocável dos que sofrem. Os olhos que ele registrava não eram vazios — estavam cheios de histórias não contadas, de sonhos não realizados, de uma força silenciosa que o mundo preferia ignorar.

E depois, quando o peso do que vira quase o esmagou, ele voltou-se para a terra. Para as árvores. Para o renascimento. Com sua companheira, Lélia, plantou florestas onde antes havia apenas feridas. Acreditou que a beleza poderia curar. E curou.

Sebastião Salgado não é somente um fotógrafo. É um contador de histórias, um guardião da memória do mundo. Em suas fotos, os esquecidos têm voz. Em suas imagens, a escuridão e a luz dançam juntas, lembrando-nos de quem somos — e do que ainda podemos ser.

Ele nos ensinou que a arte não é somente espelho. É também mão estendida. E, acima de tudo, é um ato de amor e humanidade.