26 de mai. de 2025

DEZ FILHOS, NOVE SILÊNCIOS

 



DEZ FILHOS, NOVE SILÊNCIOS.


Todo médico conhece o peso dos corpos. Sabe que um recém-nascido cabe perfeitamente no vão de seus braços — é a vida! 


Sabe que uma criança de sete anos é mais pesada ao carregar dormindo do que acordada, que o corpo de um adolescente já tem a densidade da juventude. Mas nenhum médico aprende, em nenhum livro, o peso de nove filhos mortos ao mesmo tempo.


Ele era pai de dez. Sim, dez vezes pai. Dez vezes seu coração se dividiu e andou pelo mundo em dez corpos menores, seus filhos ainda frágeis, que possivelmente ele mesmo ajudou a trazer à luz. Dez nomes, dez risos, dez futuros — nove cruzes agora, porque o que sobreviveu está em estado grave com ele. Pai e filho, restou, ambos ainda inconscientes.


Quando a bomba caiu, ele não estava no hospital. Estava em casa, sendo pai — quem sabe assando o pão escasso, ou contando histórias lúdicas para afastar o temor, ensinando o mais novo a amarrar os sapatos, ou, ao mais velho, palavras de ânimo e resiliência ao meio do caos e toda a dor. 


A mãe também é médica, estava no hospital, salvando vidas como sempre fez. Só que desta vez, as macas traziam rostos conhecidos. Crianças com seus mesmos olhinhos que, antes, eram brilhantes, e com suas próprias cicatrizes de quedas, suas roupinhas que ela lavara com as próprias mãos, quando ainda havia um resto d'água.


Todo médico também sabe como declarar a morte. É um ato somente técnico: pulso, pupila, silêncio — é a morte. 


Mas como se declara a morte de um filho? E depois de outro? E outro? E mais outro, mais outro, assim, sucessivamente? Onde se anota tamanha atrocidade? Em qual dos formulários? E não menos pior! Onde ficará todo o universo arrancado instantaneamente da alma de uma mãe? Onde? Diga, responda, por favor!