2 de mar. de 2017
ENQUANTO ELA NÃO CHEGAR
2 de fev. de 2017
O NAMORO DOS ANJOS
Ela tem os cabelos negros, bem lisos, da mesma cor do seu próprio olhar. E o corpo, ah, o corpo, a textura de pele da cor de canela, que também vejo nesse café derramado sobre folhas brancas do caderno de poemas!
Ela é magra, os seios ainda miúdos, mas redondos no corpo
crescido de mulher! E quando, então, ela passa na minha calçada, com olhar
triste no chão, com passo tão curto, tão tímido, vindo de braços cruzados sobre
os seios apertados, parece não ver e nem sentir minha presença. Aliás, como se
ninguém estivesse mesmo por ali, nem eu existisse, somente ela passando em
silêncio, num silêncio noturno de mar…
Mas tudo isso acontece porque faz parte do nosso ritual de
fingir que não estávamos ali. Nenhum de nós existia, também, apenas esse longo
chove e não molha por mais de duas semanas seguidas, somente ela passando por
mim, enquanto, já de puro desejo por ela, eu precisava fingir de não entender, apenas
dissimular nada saber.
Era o nosso amor, o namoro dos anjos no mundo. Sim, ficamos
nesse bom viver romântico por quase dois anos, assim: ela pensando em mim,
enquanto eu acreditava nisso o tempo inteiro. E fazíamos quase tudo sempre
juntos. Era como um cinema o nosso passeio pelas ruas da cidade, sem dinheiro,
sem documentos, somente nossa identidade do olhar. Éramos felizes por ter um ao
outro, de verdade.
Um dia, porém, sei lá, nosso namoro desmoronou. Ela tomou
meu olhar de lua enciumada, que, quando dei por mim, eu estava mordendo os
lábios de raiva.
Então, começamos a dormir separados. Chorávamos por nós e
por tudo. E tudo, lentamente, morria cada vez mais um pouco em nós.
Agora olhamos o nosso namoro dos anjos seguindo mais longe,
além do horizonte, sobre as ondas do mar, deixando-nos a saudade profunda e
tão-somente sozinhos, muito sozinhos de nós mesmos e do mundo, também.
1 de jan. de 2017
FILOSOFIA AO ANOITECER
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Imagem Arnedo Javier Pérez |
De qual maneira, saber de onde vim. E para onde vou, ainda mais por também
saber que o céu, as estrelas, toda essa imensidão sem começo, sem fim, até
parece uma sorte do acaso a gente estar aqui.
Eis infinita grandeza, amiúde, sem começo,
sem fim, a dizer-me dos universos de seres e órbitas existentes aqui e acolá,
como se vivêssemos e morrêssemos presos ao chão sem saber nem para qual fim a
razão de existir.
Que me resta eu querer acreditar se a minha
fé não é tanta, ainda que constato ser uma existência, ainda que se perceba o
mistério da morte ser também a náusea que me consome até o fim.
Que me resta saber se nem sei onde tudo
começa e termina, como então saber esse mistério? Eis minha dúvida, quiçá não
existe o nada, mesmo, apenas tão-somente, isso: o óbvio de continuar sem nada
saber!
3 de dez. de 2016
PRIMEIRA NOTA
2 de set. de 2016
O SONHO DA CONFEITARIA COLOMBO
O SONHO DA CONFEITARIA DA COLOMBO.
Tínhamos que pegar uma torta de chocolate e duas bandejas de salgadinhos na Confeitaria Colombo. A encomenda já estava feita quando minha mãe saiu de casa, bem cedo, para trabalhar. No final da tarde, ela chegou com sacolas de supermercado, carregando carne, ovos, leite, frutas, café e pão para o jantar. Não esqueceu de nos dar um beijo no rosto, mas logo nos lembrou de apagar as luzes — afinal, ela não era sócia da Light. Em seguida, nos apressou para buscarmos a encomenda, dizendo que suas amigas não tardariam a chegar. Era o último dia de trabalho do ano, e elas viriam para confraternizar.
Com a notinha e o dinheiro na mão, eu e meu irmão
descemos de elevador e logo estávamos na calçada de Nossa Senhora de
Copacabana, perto do posto 6. A avenida fervilhava. Automóveis, buzinas, gente
passando. Copacabana, no final dos anos 60, já era uma cidade na cidade,
um pedaço cosmopolita do mundo. As três avenidas principais, sempre cheias de
movimento, contrastavam com o silêncio das ruas transversais. Era como se, ao
dobrar uma esquina, a agitação se transformasse em paz. As ruas arborizadas e
quietas lembravam cidadezinhas do interior. Aquela mudança brusca de cenário me
fazia sentir um poeta urbano, imaginando trilhas sonoras de jazz romântico para
acompanhar o momento.
Naquela época, o trompete de Miles Davis já
dialogava com a Bossa Nova de Tom Jobim. Brigitte Bardot e Leila Diniz
representavam contrastes de beleza e rebeldia. O Rock in roll começava a
surgir, e o blue-jeans se espalhava
como um símbolo de liberdade. O mundo mudava rápido, e nós, jovens, sentíamos
estarmos conquistando algo maior. A brisa que vinha do mar carregava uma
energia viva, como se o samba e o jazz estivessem se fundindo em uma nova
identidade musical. Tudo isso me passava pela cabeça, enquanto eu recebia o
troco na Confeitaria Colombo, sentindo o doce aroma dos sonhos que saíam do
forno.
De repente, tive vontade de mergulhar naquele
cheiro, de abraçar aquele momento e guardá-lo para sempre. Mas, no caminho de
volta, já a duas quadras de distância, lembrei de conferir o troco. Coloquei a
torta sobre o capô de um carro estacionado e contei as notas. Meu irmão parou
ao meu lado, segurando as bandejas de salgadinhos.
— O que foi? — ele perguntou, curioso.
Não respondi de imediato. Estava pensando no
sorriso da garota do caixa, na umidade que parecia brilhar em seus lábios.
Verifiquei o troco novamente e percebi que ela havia me devolvido o valor total
da encomenda. Fiquei dividido entre várias possibilidades: comprar um ingresso
para a peça de teatro que tanto queria ver, o novo LP do Tom Jobim ou, quem
sabe, voltar à confeitaria e devolver o dinheiro, só para ver aquele sorriso de
novo.
Decidimos voltar. (…)
Desculpe, mas se você gostou de ler isso, você pode conferir como termina esta estorinha, baixando o EBOOK pelo preço de um café expresso, afinal de contas não há nem patrocínio, propagandas comerciais, mas preciso valorizar meu trabalho, não concorda comigo?