28 de abr. de 2025

A CAMISA DIVIDIDA DA SELEÇÃO

 
Ilustração-Geralt-Pixabay

A CAMISA DIVIDIDA DA SELEÇÃO.


Eu nunca imaginei que um pedaço de tecido pudesse carregar tanto peso. A camisa amarela da seleção brasileira, antes um símbolo de alegria despretensiosa, virou uniforme de guerra cultural. Em 2018, ainda era possível ver crianças, avós, torcedores de todo tipo vestindo-a sem pensar em política. Em 2022, porém, o manto sagrado do futebol ficou completamente sequestrado — ou pelo menos é assim que muitos passaram a enxergar.

O amarelo, que já foi cor de gol de Pelé, de comemoração de Romário, de drible de Garrincha, virou bandeira de um lado só. E, como acontece quando algo coletivo vira propriedade particular, o incômodo cresceu. Há quem, hoje, prefira ver a seleção perder — de 7 a 1, quem sabe — só para não alimentar a narrativa que se apropriou dela. A CBF, pressionada, anunciou mudanças: dizem que o vermelho pode substituir o tradicional verde-amarelo. Mas será que trocar uma cor por outra resolve, ou só empurra o problema para outro lugar?

A Itália joga de azul, a Holanda de laranja — cores que não estão em suas bandeiras, mas que ninguém questiona. O Brasil, porém, é um país que vive em conflito até com suas próprias cores. Talvez o problema não esteja no amarelo, no verde ou no vermelho, mas na insistência de que uma só tonalidade pode representar 200 milhões de histórias diferentes.

Por que não criar uma camisa tão plural quanto o país? Uma mistura de cores, como um mosaico de identidades, onde verde, amarelo, azul, vermelho — e todas as outras — coexistissem sem hierarquia. E se, em vez de decisões a portas fechadas, a escolha fosse feita em um concurso aberto, onde torcedores, artistas ou mesmo crianças desenhassem o novo manto da seleção?

No fim, o futebol sempre foi democrático. Talvez seja hora de a camisa também ser.



21 de abr. de 2025

O PAPA, O FERIADO E O SINAL

 
Ilustração azmeyart-design Pixabay

O PAPA, O FERIADO E O SINAL.
 

Já nem sei mais o que me acordou primeiro: se a dor de dente ou a notícia anunciando a morte do Papa. O argentino Jorge Mario Bergoglio — o Papa Francisco, o primeiro sacerdote católico das Américas — o homem que carregou o peso da fé em seus ombros já curvados pelo cansaço. Também pudera, os tempos de hoje andam esquisitos, muito bizarros, realmente. 

A voz do locutor foi grave, mas eu estava mesmo era preocupado com a minha consulta marcada. O feriado de Tiradentes me lembrou esse detalhe, imagine, logo hoje isso também acontece. Não é ironia, não, juro por Deus! Joaquim José da Silva Xavier arrancava dentes. E eu aqui pagando caro para não arrancar os meus, só isso, mas sentir dor logo hoje não é nada bom, isso é um mau sinal. 

Lavei o rosto, escovei os dentes com mais cuidado na região inflamada. O áudio da notícia continuava. Falava da santidade, do seu legado, do luto. Eu olhava para o ímã na geladeira — o telefone do dentista, grudado ali entre contas e lembretes. A vida é feita dessas coisas acontecendo em simultâneo: uns enterram o Papa, outros aproveitam o feriado, e outros, os mais desesperados, torcem para salvar um molar dolorido o mais depressa possível. 

Olhei pela janela. Céu limpo, sem nuvens. Depois do feriado e do funeral do Papa, haveria de ser um dia perfeito pra continuar o tratamento de canal. Coincidência ou não, a dor de dente foi mesmo o sinal. 



20 de abr. de 2025

DESCULPAS TARDIAS

 


Desculpas Tardias.

 

O senador Adam Schiff falou suave, comedido, como quem deposita solenemente rosas num túmulo de um soldado desconhecido. Agradeceu. Pode-se dizer que pediu perdão. Lamentou. Até citou histórias que já não importam também. Palavras bonitas para cobrir o que já está podre, afinal.

Do outro lado, o Canadá e, por que não, o México e o resto do mundo que também escutam, mas cada qual não esquece o passado sofrido. Trump partiu algo que não se cola com discursos, a confiança exige mais do que isso. 

E o que é ainda pior: cerca de quarenta por cento dos norte-americanos ainda acreditam no homem que quebrou essa mesma confiança. Quarenta por cento que ainda sorriem como se o mundo devesse se curvar diante dele.

O que se vê é o sol se pondo sobre estas relações mortas, enquanto Schiff ainda rega as cinzas com mel. Tarde demais, não? Sim, é como o murmúrio lamentoso de um velho caçador que erra o tiro e vê a fera sumir no meio da floresta. Olha-se o cartucho sobre a relva, o rifle ainda fumega, e agora resta o silêncio entre os parceiros que antes caminhavam, lado a lado, mas isso também pouco importa, ninguém reconhece mais o passo um do outro. 


TheMXFan/youtube👈 (vídeo dublado em português)

Adam Schiff/Instagram (inglês)👈(vídeo em inglês)


13 de abr. de 2025

GREVE DE FOME NO PLENÁRIO


img-reprodução/BNews



Greve de Fome no Plenário.


Ele já está no quarto dia sem comer. Dorme no plenário, sobre um colchão de ar. O clima é pesado. Glauber Braga permanece sentado, as costas contra a parede, olhos fixos nas cadeiras vazias. Os opositores do conselho votaram pela cassação como deputado federal. Querem tirar seu mandato a qualquer preço. Não, a qualquer preço, não. Houve um preço. Um preço alto. Todos sabem disso. 

Começou pelos militantes do MBL. Eles invadem escolas, universidades, plenários, buscando selar views infames nas redes sociais. São línguas venenosas, mais afiadas, sobretudo, profissionalmente sórdidas, provocativas. Com o que aconteceu com Glauber, só quem tem sangue de barata aguentaria. Xingaram sua mãe, quando ela estava hospitalizada com sérios problemas de saúde, inclusive vindo a óbito no mês seguinte.

Isso foi mesmo insuportável. Dolorido ter que tolerar. Tudo tem um limite. A falta de decoro já acontecia há bastante tempo contra ele. Ouvir aquelas ofensas foi pior. O Glauber deu um pontapé na bunda deles todos, pode-se dizer. Isso foi filmado. As imagens rodaram por dias a fio, todo mundo viu e eles fugiram como sempre fazem.  

Agora, greve de fome. Questão de honra, dignidade. Imagine aqueles ‘meninos’ no plenário querendo falar de ética, vê se pode uma coisa dessas. O buraco é mais embaixo. Glauber fala de Arthur Lira. Uma casa de dez milhões foi o preço dele, por exemplo. O salário de um deputado com os impostos de um deputado… Os números não batem. 

Lá fora, o sol queima e o ar é sempre seco. Dentro, um homem definha. As paredes observam. Hoje, eles tentam calar a voz dele, 'amanhã vão querer calar a voz de qualquer um que venha se insurgir contra essa prática corrupta do orçamento secreto'. É assim que eles querem que as coisas fiquem. Sua decisão, então, foi tomada: não come, não arreda o pé do plenário até a situação se resolver. 


#GlauberFica #PolíticaLimpa 


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10 de abr. de 2025

O CUSTO

 

Ilustração-pixabay


O Custo.

 

O homem, a cara amarrada, senta-se à mesa da cozinha. A conta de luz está aberta, o café frio. A tarifa chega como um inverno precoce: 125% sobre coisas feitas na China. Ele olha para os tênis novos do filho, comprados em abril. Agora custa o dobro. Não, mais que o dobro. A matemática é simples. A vida, não.

Nas ruas, as lojas anunciam liquidação. “Estoque limitado”, dizem. Donos de bikeshops encostam bicicletas chinesas contra as paredes vazias. Um fazendeiro do Nebraska vende dois tratores. A soja não vale mais nada. Os chineses compram do Brasil.

Nas docas, os contêineres esperam. Homens de coletes laranjas fumam em silêncio. “México”, alguém disse. “Vietnã.” As empresas grandes já têm mapas novos. O resto fica ali, parado, como peixe em rede seca.

A mulher no supermercado segura uma panela. Made in USA. O custo: cinquenta dólares. Antes, a chinesa custava vinte. Ela coloca a panela de volta na prateleira. Decide comprar arroz e feijão enlatado. Na fila, um velho conta que o remédio para o coração subiu 80%. Ninguém fala de comércio livre. Falam do gás, do leite, da neve que virá no próximo ano.

À noite, na TV, um homem de gravata grita sobre inimigos e vitórias. O homem da cozinha desliga o aparelho. Olha para a esposa, que costura um casaco rasgado. Ela não levanta os olhos. Sabe o que vem. Sabe que guerras — mesmo as de tarifas, mesmo as sem balas — sempre escassa a comida, o remédio, o pão dos que não estão nos discursos.

É assim. Você constrói um muro pra manter o mundo lá fora, longe de tudo. Só não dizem que o muro também tranca você aqui dentro. Com o preço da proteção nas costas e o vento frio entrando pelas frestas. Pior, o custo da calefação também está nas alturas.