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Ilustração azmeyart-design Pixabay |
Já nem sei mais o que me acordou primeiro: se a dor de dente ou a notícia anunciando a morte do Papa. O argentino Jorge Mario Bergoglio — o Papa Francisco, o primeiro sacerdote católico das Américas — o homem que carregou o peso da fé em seus ombros já curvados pelo cansaço. Também pudera, os tempos de hoje andam esquisitos, muito bizarros, realmente.
A voz do locutor foi grave, mas eu estava mesmo era preocupado com a minha consulta marcada. O feriado de Tiradentes me lembrou esse detalhe, imagine, logo hoje isso também acontece. Não é ironia, não, juro por Deus! Joaquim José da Silva Xavier arrancava dentes. E eu aqui pagando caro para não arrancar os meus, só isso, mas sentir dor logo hoje não é nada bom, isso é um mau sinal.
Lavei o rosto, escovei os dentes com mais cuidado na região inflamada. O áudio da notícia continuava. Falava da santidade, do seu legado, do luto. Eu olhava para o ímã na geladeira — o telefone do dentista, grudado ali entre contas e lembretes. A vida é feita dessas coisas acontecendo em simultâneo: uns enterram o Papa, outros aproveitam o feriado, e outros, os mais desesperados, torcem para salvar um molar dolorido o mais depressa possível.
Olhei pela janela. Céu limpo, sem nuvens. Depois do feriado e do funeral do Papa, haveria de ser um dia perfeito pra continuar o tratamento de canal. Coincidência ou não, a dor de dente foi mesmo o sinal.