MEMÓRIAS SUCINTA DE UM ENFERMO





















Agora não adianta mais voltar. Na verdade, não há como fazer isso. Somente o tempo de seguir o resto do caminho por ser mais curto. Não estou me lamentando. Estou só relembrando de outrora rotina de farmácias.

Começa no café da manhã. Quatro comprimidos. À tarde são mais dois. Mantenho os remédios dentro duma caixa de sapatos. Isso lembra minha infância enferma, quando eu juntava frascos de vidros em caixas. Não sei por que fazia isso. Só colecionava…

Pensando bem, talvez o motivo fosse pelo fato de não poder caminhar. Tinha meu joelho esquerdo inflamado. A perna ficou encolhida, não conseguia desdobrá-la. Resultado de uma pancada na quina da porta. Estava correndo de pega-pega em casa. Era hiperativo naquele casarão do meu avô.

Fiquei de cama por quase um mês, não sei bem, o tempo corria muito devagar. A inflamação não cedia. O médico chegou a cogitar amputação do membro. Minha mãe não concordou. Chamou outro médico. Intuição de mãe.

Acredito que fiquei um ano em tratamento. Cheguei a juntar mais de dez caixas de sapatos com vidros de antibióticos de várias cores. Passava o dia inteiro numa cadeira alta de criança diante da mesa da cozinha. Minha avó colocava todas as caixas na minha frente para me distrair com os frascos enquanto cozinhava. Eu brincava de alquimista…

Agora estou velho. Não gosto de colecionar nada. Na verdade, mesmo se eu quisesse, não haveria mais como fazer isso. Hoje, comprimidos vêm em envelopes laminados e dentro de caixas de papelão fino.

Talvez, se minha avó ainda estivesse viva, talvez sentisse falta desses vidros nas farmácias. No entanto, não saberia como me distrair. Isso porque naquela época não havia outra opção.

Aliás, antes da paralisia, eu só gostava de correr pelo pomar e subir em árvores para comer frutas do pé. Não existia TV e muito menos os jogos eletrônicos para se distrair.

Hoje, a gurizada passa o dia sentada e correndo virtualmente, nem sentem a luz do sol. Pior que, desse jeito, vão ficar com as pernas fracas como eu. 





COM CHUVA OU SEM CHUVA





Preciso caminhar um pouco. Quase não caminho, ultimamente. Quem sabe subo a ladeira da minha rua? Não. Melhor pegar a descida. Detesto subir quando recém me levanto da cama. Aliás, descer todo santo ajuda. E quando eu retornar, a subida não será tão pior. É caminho mais curto. Posso voltar pelo atalho do meio, por ser mais plano e arborizado. Assim, economizarei energia para subir a parte mais íngreme. Não que eu seja preguiçoso, ou esteja só me queixando. É que continuo me recuperando da cirurgia. Tumor no intestino. Por sorte, não precisei usar sonda em momento algum. Além disso, ando enjoado de ver isso na televisão, nos jornais. Um saco. É devido à cirurgia que tenho passado muito tempo deitado. Isso é ruim. Tenho impressão de o meu corpo ficar mais mole do que o próprio colchão. Variadas posições já me cansam. Os braços, também. O livro começa a pesar. Cai das mãos. Perco a página, o parágrafo, o assunto e, quando isso acontece, é hora de caminhar.

Agora estou diante da porta, indeciso. Pensando bem, melhor eu subir a rua. Se eu descer, será pior. Ficarei cansado subindo depois. Tudo bem que eu tenha recém-levantado da cama. Não estava dormindo mesmo. Estava só lendo. Pelo menos estou relaxado. Terei mais energia de subir agora do que fazer isso depois. Também não quero ajuda de santo nenhum. É só vigarice. Droga. Parece que vem chuva. Do jeito que as nuvens se aproximam, a chuva pode ser mais forte. Pior. Para o lado de cima, não há muitas árvores. Se eu estiver caminhando e começar a chover, não terei muita opção de me proteger. O médico disse para não molhar o curativo. Hum! Para o lado de baixo, é bastante arborizado, mas é escorregadio devido às folhas. Melhor eu fechar a janela. Acabei de ver um relâmpago. Onde será que enfiei meu guarda-chuva? Se a chuva for muito forte, não adianta proteção nenhuma. Não encontro o guarda-chuva em lugar nenhum.

O vizinho ligou o rádio. Está trocando as estações, talvez procurando informações do tempo. Continuo procurando o guarda-chuva. Pelo visto, já deve estar chovendo aqui por perto, até sinto cheiro de chuva. O rádio continua pulando de estação em estação. Fala somente uns cinco ou seis segundos apenas. Agora é música sertaneja. Mais sertanejo, que diabo, milonga, que é bom, nem parece que existe, até parece que não somos mais gaúchos. Agora é notícia de assalto. Assassinato, também. Outra música sertaneja, benza Deus! Meteorologia? Nada! Agora o assunto é religião. Não sei se de padre ou de pastor, o vizinho está de dedos inquietos, mudou a estação, não deu tempo de saber. Sertanejo. Sertanejo, de novo. Outra estação, falando de religião, o pastor está dizendo: e a verdade vos libertará… Espera, não é pastor, não é padre. Meu Deus, é o diabo do presidente!

— Droga, subirei a rua sem guarda-chuva mesmo!


1964: O BRASIL ENTRE ARMAS E LIVROS



Fotografia de Sebastião Salgado (Serra Pelada)



Um amigo disse que, se eu assistisse esse documentário, 1964: O BRASIL ENTRE ARMAS E LIVROS, eu ficaria chocado com a revelação do movimento comunista atuando no país a ponto de ficar nervoso, indeciso, desconfiado…

— Tudo bem, assistirei por nossa sincera amizade — falei.

Pois, bem, assisti. Meu amigo tinha razão. De fato, fiquei mesmo chocado. Principalmente quando constatei que a foto do Sebastião Salgado, durante os anos 86 – 87 (Serra Pelada), estava sendo usada para registrar a guerrilha de Araguaia ocorrida entre 1967 – 1974.

Poxa! Fiquei alterado, nervoso! Além disso, sendo diabético, precisei tomar um copo d'água com açúcar porque tive uma súbita hipoglicemia! Sei que somos bons amigos, mas agora fiquei intrigado. Será que ele acreditou nisso, também? 



O ESPÍRITO DE NATAL





















O natal é bom para toda a criançada, seja rica, ou seja, pobre, não importa, elas sempre se divertem, correm e brincam, e até brigam por qualquer coisa, também…

Por falar nisso, o Natal também reúne as famílias para novas discussões; ou, então, aproveitam o momento para fazer as pazes pelo conflito gerado no natal anterior. 

Melhor assim, sem discussões. Ficar de boa é a melhor escolha, a melhor opção, não há dúvida disso. Afinal de contas, o Natal acontece uma vez por ano, não é mesmo? Claro, o ano novo é assim, bem como o aniversário de cada um, também. 

E quem tem o privilégio de comer peru assado com salada de maionese de maça, ela passa mais rapidinho goela abaixo uma vez por ano, também. 

Falei, passa? Sim, passas de uva, que lembra o verbo passando no arroz à grega, com a salada de maçã. Pois bem, o Natal é assim mesmo: o cardápio muda até para quem também curte um churrasco à moda gaúcha. A propósito, olha ali a passa, a maça, ambas dando oi ao nosso sabor! Todo final de ano tem essa dupla, inclusive o tradicional panetone no café da manhã. Isso é bom. Verdade! 

O natal, por mais que esteja embutida a ideia comercial na vida de todos nós, ainda assim é preciso manter a mensagem de paz, sobretudo na origem mais simples da confraternização dos povos! Ora, pois se o Natal não fosse tão importante, não fosse tão necessário, nem mesmo em tempos de guerra, o espírito natalino não seria lembrado. 

Inclusive, já houve soldados que se sentaram em volta do fogo para confraternizar nesse momento solene de paz, porém, por questão de segurança, sem prescindir da sentinela, é claro, fazer o que. Não importa, vamos, então, curtir o natal mesmo nesses tempos estranhos, esquisitos, absurdos, haja visto tantas ameaças, ofensas, extremismos. Sejamos, então, um abraço sincero, uma palavra amiga, tranquila. Que o Natal nos remeta ao sentimento de haver, sim, paz na Terra pelos bem-aventurados serem os conciliadores, os pacificadores, portanto, não há como permitir ou aceitar que o ódio fermente nos corações!



Nota:

Com exceções — aliás, muito raras — já existiram casos de soldados interromperem o confronto para celebrar a ceia de natal. Na Guerra Civil Americana, em 1864, por exemplo, alguns soldados da União e da Confederação fizeram trégua para celebrar o Natal. Também na Guerra Russo-japonês, em 1904, vários soldados russos e japoneses fizeram trégua nesse dia. 

Já a trégua de Natal de 1914 é o exemplo mais famoso de soldados que fizeram trégua nesse dia especial. Ela ocorreu durante a Primeira Guerra Mundial, na Frente Ocidental, entre soldados britânicos, alemães e franceses. Na véspera de Natal, os soldados alemães começaram a decorar suas trincheiras com árvores de Natal e velas. Os soldados britânicos e franceses ficaram surpresos e, em alguns lugares, começaram a responder da mesma forma. 

No dia de Natal, os soldados das trincheiras vizinhas começaram a se comunicar entre si, usando sinais de fumaça ou gritos. Em alguns lugares, eles até se reuniram no meio do campo de batalha para trocar presentes, cantar músicas natalinas e jogar futebol. A trégua durou apenas algumas horas, mas foi um momento de também servir de lembrete de que, mesmo em tempos difíceis, há sempre espaço para a humanidade e a fraternidade. Isso é um símbolo de esperança e solidariedade, mesmo em tempos de guerra, embora tenha sido casos isolados do confronto geral. 




NOVA AMIZADE

(foto acervo pessoal)


Arrumei companhia enquanto navego na internet. Geralmente é no final da tarde, quando o dia já abana o frescor da brisa na minha janela. Nossa amizade ainda é muito recente. Hoje completam duas semanas. Além disso, nos dois primeiros dias não trocamos ideia nenhuma, nenhuma palavra, exceto aquela conversa de olhar ressabiado, de apenas um ficar olhando a cara do outro em silêncio. Por sorte, durou pouco tempo, é verdade, logo nos sentimos mais à vontade, embora continuasse intrigado com a luz do mouse piscando toda vez que o movia, enquanto clicava meus e-mails. Agora não. Ela agora se acostumou comigo e também com esse ratinho cibernético luminoso. Particularmente, tornamo-nos mais amigos, sem mais fazer cerimônias. Inclusive já estive em sua casa… 

Bem. Foi sem querer, é claro. Puxei o livro da estante e ali estava tirando uma pestana atrás do segundo volume de A Sabedoria da Índia e da China, de Lin Yutang…

Caramba! Falar nisso, agora me dou por conta: tal coincidência não seria um aviso, uma advertência budista? Sim, ‘cada ser vivo em seu devido lugar da natureza divina’. Sábias palavras, apesar da predação biológica da sobrevivência das espécies. Tudo bem. Sei que, falando assim, as pessoas não entenderão o que digo. Para falar a verdade, porém, quem não entende sou eu, evidentemente isso após constatar como pode haver pessoas que sentem nojo ou pavor destas criaturas tão limpinhas. Sim, basta avistar uma delas andando pelas paredes, já lhes provocam sensações esquisitas. Sempre existe quem peça até vassouradas para esmagá-las de vez! Que crueldade. Ora, as lagartixas são completamente inofensivas para nós, aliás, ditos seres humanos racionais do planeta. Além disso, não são moscas, mosquitos, baratas ou outros insetos assustadores, como aranhas ou pequenos escorpiões. Na verdade, quem se assustou foi ela, a lagartixa. Ela dormia tranquilamente no seu esconderijo protegido por muralhas (lar doce lar) dos livros emparedados na estante. Descobri-la ali, no entanto, foi um susto repentino a ela, não a mim. Isso devido ao clarão de luz e não por minha estúpida invasão de privacidade. Logo reconheceu quem era o intruso, então, antes que eu tornasse a fechar o vão, repondo o livro no lugar, ela sorriu, desculpando-me pela intromissão, afinal já nos conhecíamos. 

As lagartixas não são nocivas ao ser humano. Ao contrário, são benéficas por ajudarem a controlar a população de moscas, mosquitos e até baratas. São répteis de pequeno porte. Medem entre 10 e 20 centímetros de comprimento. São inofensivas. Elas são encontradas em todo o mundo, inclusive no Brasil. Preferem caçar insetos à noite. Evidentemente, vedar frestas e buracos nas paredes e janelas, ou usar repelentes naturais, como óleo de citronela, por exemplo, afasta-as do ambiente. No entanto, lembre-se de que elas são animais benéficos, não há necessidade de eliminá-las, não há por que fazer isso.