ENQUANTO ELA NÃO CHEGAR


   

Era noite. Céu estrelado. O vento breve ficou mais longo. Soprou as árvores da minha janela, o gemido de mulher que o fez imaginar ela vindo até ele. Tinha o olhar brilhante, pele à flor da pele arrepiada em prazer. Vinha, sim, com este olhar irresistível, onde, lentamente, nessa prosa de estrada passando dentro dele, constatava cena surpreendente tomando conta da imaginação. O vento continuava lhe arrebatando os sentidos, como se cada folha desprendida dos ramos das árvores, voando solta pelo ar, fosse a parte minúscula do seu ser. E com que desejo reprimido, foi arrancando as folhas de dentro, uma a uma, excitado, aquela ereção de latejo sob fecho do jeans... 

De sobressalto abri as pálpebras de medo. Temia imaginar o que tentava resistir, ela vindo seminua no assento de trás, entre beijos e afagos, as mãos ora subindo, ora descendo por debaixo da saia, da blusa, buscando o formato liso dos seios, os contornos, os retornos de idas e vindas sobre coxas macias, buscando o púbis desnudado. Os lábios na boca, feito favo de mel, e já por cima…, mas por cima de quem estariam os gemidos banhados de fogo por ela e por quem? Eu não sei, eu não sei, mas gemia o gemido dos meus sentidos em suspiros, murmúrios, sussurros, todos os orgasmos não pareciam ter mais fim! E nesse tremor da imaginação, ouvindo o vento soprar nos ramos das árvores, ela vinha num sonho de folha solta, breve suspiro, enquanto ela não chegar. 

As folhas das árvores continuavam caindo sob o luar, o vento brando de brisa no fim. E agora, será que ela vem? Sem ela, sou folha caída, nem vento, nem brisa, ninguém.

O NAMORO DOS ANJOS


       


Ela tem os cabelos negros, bem lisos, da mesma cor do seu próprio olhar. E o corpo, ah, o corpo, a textura de pele da cor de canela, que também vejo nesse café derramado sobre folhas brancas do caderno de poemas!

Ela é magra, os seios ainda miúdos, mas redondos no corpo crescido de mulher! E quando, então, ela passa na minha calçada, com olhar triste no chão, com passo tão curto, tão tímido, vindo de braços cruzados sobre os seios apertados, parece não ver e nem sentir minha presença. Aliás, como se ninguém estivesse mesmo por ali, nem eu existisse, somente ela passando em silêncio, num silêncio noturno de mar…

Mas tudo isso acontece porque faz parte do nosso ritual de fingir que não estávamos ali. Nenhum de nós existia, também, apenas esse longo chove e não molha por mais de duas semanas seguidas, somente ela passando por mim, enquanto, já de puro desejo por ela, eu precisava fingir de não entender, apenas dissimular nada saber.

 Então chegou fevereiro, dia de Iemanjá, e o nosso namoro engrenou: ela tomou o meu olhar entardecido de sombra e água fresca sob o cântico sereno da sereia. Senti o perfume doce das rosas-vermelhas, o sabor do batom misturado com água salgada do mar, que quando me dei por mim, eu já estava beijando seus lábios por entre as ondas. Depois dormíamos juntos, ríamos de nós e de tudo, vivendo um para o outro.

Era o nosso amor, o namoro dos anjos no mundo. Sim, ficamos nesse bom viver romântico por quase dois anos, assim: ela pensando em mim, enquanto eu acreditava nisso o tempo inteiro. E fazíamos quase tudo sempre juntos. Era como um cinema o nosso passeio pelas ruas da cidade, sem dinheiro, sem documentos, somente nossa identidade do olhar. Éramos felizes por ter um ao outro, de verdade.

Um dia, porém, sei lá, nosso namoro desmoronou. Ela tomou meu olhar de lua enciumada, que, quando dei por mim, eu estava mordendo os lábios de raiva. 

Então, começamos a dormir separados. Chorávamos por nós e por tudo. E tudo, lentamente, morria cada vez mais um pouco em nós. 

Agora olhamos o nosso namoro dos anjos seguindo mais longe, além do horizonte, sobre as ondas do mar, deixando-nos a saudade profunda e tão-somente sozinhos, muito sozinhos de nós mesmos e do mundo, também.

FILOSOFIA AO ANOITECER





Imagem Arnedo Javier Pérez

De qual maneira, saber de onde vim. E para onde vou, ainda mais por também saber que o céu, as estrelas, toda essa imensidão sem começo, sem fim, até parece uma sorte do acaso a gente estar aqui.

Eis infinita grandeza, amiúde, sem começo, sem fim, a dizer-me dos universos de seres e órbitas existentes aqui e acolá, como se vivêssemos e morrêssemos presos ao chão sem saber nem para qual fim a razão de existir.

Que me resta eu querer acreditar se a minha fé não é tanta, ainda que constato ser uma existência, ainda que se perceba o mistério da morte ser também a náusea que me consome até o fim.

Que me resta saber se nem sei onde tudo começa e termina, como então saber esse mistério? Eis minha dúvida, quiçá não existe o nada, mesmo, apenas tão-somente, isso: o óbvio de continuar sem nada saber!



PRIMEIRA NOTA




Eu não me responsabilizo por possíveis anúncios adicionados nas minhas publicações. Aliás, não tenho tempo de resolver isso, parece que, primeiro, precisa monetizar o blog, mas nem sei como elaborar esse processo informático. Enfim, confiarei na propaganda de bom nível e que esteja associada aos assuntos exclusivamente comerciais, por isso, se encontrar algum erro ou falha, por favor me desculpem. 

O SONHO DA CONFEITARIA COLOMBO




O SONHO DA CONFEITARIA DA COLOMBO.
 


Tínhamos que pegar uma torta de chocolate e mais duas bandejas de salgadinhos na Confeitaria Colombo.  Já estava encomendada quando a minha mãe saiu bem cedo para trabalhar.

Agora, no finalzinho da tarde, ela chegava com as sacolas de compras do supermercado, trazendo carne, ovos, leite, frutas, café e pão para o nosso jantar. Isso, sem esquecer do nosso beijo em seu rosto no mesmo instante em que mandava a gente apagar as luzes porque ela dizia que não era sócia da Light

Em seguida, tornou-se a nos lembrar e nos apressar para buscarmos a encomenda sem mais demora, acrescentando que suas amigas não tardariam a chegar, que iriam confraternizar com o último dia de trabalho, o fim de ano. 

De posse da notinha e do dinheiro, eu e meu irmão, descemos no elevador e logo estávamos na calçada de Nossa Senhora de Copacabana, próximo ao posto 6. A agitação da avenida sempre estava intensa naquele horário, o trânsito mais ainda. Aliás, isso até me fez pensar no bairro.

Copacabana, no final dos anos 60, já era considerada uma espécie de cidade igual a muitas cidades cosmopolitas espalhadas pelo mundo. Ao longo das três principais avenidas, sempre estão repletas de veículos, de pedestres e de estabelecimentos comerciais pelas quadras, além dos bares e restaurantes por toda a orla da Atlântica, dando a perceber o contraste sonoro de muitos lugares. Isso se deve ao fato de que muitas ruas transversais apresentam um silêncio inexplicável. Talvez sejam os paredões dos edifícios construídos sob a influência do concretismo francês, mas não estava bem certo disso, não saberia como explicar isso melhor. Simplesmente a gente dobra uma esquina e toda a agitação se transforma em um silêncio de rua arborizada, tal como o sossego das ruas de cidadezinhas do interior.

Isso também me fazia sentir um poeta urbano, desejando ouvir a nova música do jazz mais romântica. Nessa época, aliás, o trompete de Mile Davis já andava em voga junto à Bossa Nova de Tom Jobim. Também, o contraste doce da beleza de Brigitte Bardot com a alegria rebelde de Leila Diniz. Podia-se dizer que tais influências se misturavam umas às outras, inclusive com o surgimento do Rock’n rol. Era uma liberdade mais autêntica surgindo em nosso bairro. Era também a nova expressão da juventude pelo mundo a fora, modificando até o estilo de a gente se vestir. O Blue Jeans, por exemplo, espalhara-se como a própria dimensão dos mares continentais, logo ganhando todo o mercado da moda como nunca fora visto em toda a história dos hábitos sociais e culturais do planeta. Sim, o mundo estava mudando. Passávamos por estas bruscas transformações. 

Enquanto isso, a gente seguia pelas calçadas, já percorrendo o movimento longitudinal do asfalto urbano da Zona Sul carioca. Sentíamos a energia da brisa suave, como se fosse mesmo, um sonho ao vivo, real. Nascia, enfim, a verdadeira identidade musical do nosso samba brasileiro com o jazz norte-americano! Isso arrepiava nossos pelos dos braços só de sentir essa viva emoção no ar. Estávamos conquistando o mundo musical, também.

Levei o trajeto inteiro pensando em tudo isso. Agora, não. Já estava recebendo o troco da encomenda, sentindo o doce cheiro do sonho espalhado por toda a confeitaria…

De repente, não sei como isso aconteceu, fiquei com vontade de beijá-la, de abraçá-la ali mesmo, no balcão, e mergulhar em seus sonhos também.

No caminho de volta para a casa, quase duas quadras depois, por precaução, lembrei de conferir o troco amassado nos dedos, então coloquei a torta sobre o capô de um carro estacionado na calçada.

— O que foi? — quis saber meu irmão, já segurando o passo com as duas bandejas de salgadinhos suspensas em cada mão.

Não respondi logo, não sabia como explicar isso naquele momento. Acho que ainda lembrava do sorriso da garota, eu com água na boca.

Verifiquei o troco. Inesperadamente, então, percebi que ela havia me devolvido todo o valor da encomenda e mais o troco, também. Hesitei por um instante. Pensei nas opções que eu poderia escolher: um ingresso de uma peça teatral que desejava assistir há mais de duas semanas; o novo LP do Tom Jobim recém-lançado na praça; por último, novamente a lembrança do belo sorriso dos olhos da garota a persistir em minha cabeça.

Voltamos à Confeitaria (...)




Desculpe, mas se você gostou de ler isso, você pode conferir como termina esta estorinha, baixando o EBOOK pelo preço de um café expresso, afinal de contas, preciso valorizar o meu trabalho… não concorda comigo?