O NAMORO DOS ANJOS


       


Ela tem os cabelos negros, bem lisos, da mesma cor do seu próprio olhar. E o corpo, ah, o corpo, a textura de pele da cor de canela, que também vejo nesse café derramado sobre folhas brancas do caderno de poemas!

Ela é magra, os seios ainda miúdos, mas redondos no corpo crescido de mulher! E quando, então, ela passa na minha calçada, com olhar triste no chão, com passo tão curto, tão tímido, vindo de braços cruzados sobre os seios apertados, parece não ver e nem sentir minha presença. Aliás, como se ninguém estivesse mesmo por ali, nem eu existisse, somente ela passando em silêncio, num silêncio noturno de mar…

Mas tudo isso acontece porque faz parte do nosso ritual de fingir que não estávamos ali. Nenhum de nós existia, também, apenas esse longo chove e não molha por mais de duas semanas seguidas, somente ela passando por mim, enquanto, já de puro desejo por ela, eu precisava fingir de não entender, apenas dissimular nada saber.

 Então chegou fevereiro, dia de Iemanjá, e o nosso namoro engrenou: ela tomou o meu olhar entardecido de sombra e água fresca sob o cântico sereno da sereia. Senti o perfume doce das rosas-vermelhas, o sabor do batom misturado com água salgada do mar, que quando me dei por mim, eu já estava beijando seus lábios por entre as ondas. Depois dormíamos juntos, ríamos de nós e de tudo, vivendo um para o outro.

Era o nosso amor, o namoro dos anjos no mundo. Sim, ficamos nesse bom viver romântico por quase dois anos, assim: ela pensando em mim, enquanto eu acreditava nisso o tempo inteiro. E fazíamos quase tudo sempre juntos. Era como um cinema o nosso passeio pelas ruas da cidade, sem dinheiro, sem documentos, somente nossa identidade do olhar. Éramos felizes por ter um ao outro, de verdade.

Um dia, porém, sei lá, nosso namoro desmoronou. Ela tomou meu olhar de lua enciumada, que, quando dei por mim, eu estava mordendo os lábios de raiva. 

Então, começamos a dormir separados. Chorávamos por nós e por tudo. E tudo, lentamente, morria cada vez mais um pouco em nós. 

Agora olhamos o nosso namoro dos anjos seguindo mais longe, além do horizonte, sobre as ondas do mar, deixando-nos a saudade profunda e tão-somente sozinhos, muito sozinhos de nós mesmos e do mundo, também.

FILOSOFIA AO ANOITECER





Imagem Arnedo Javier Pérez

De qual maneira, saber de onde vim. E para onde vou, ainda mais por também saber que o céu, as estrelas, toda essa imensidão sem começo, sem fim, até parece uma sorte do acaso a gente estar aqui.

Eis infinita grandeza, amiúde, sem começo, sem fim, a dizer-me dos universos de seres e órbitas existentes aqui e acolá, como se vivêssemos e morrêssemos presos ao chão sem saber nem para qual fim a razão de existir.

Que me resta eu querer acreditar se a minha fé não é tanta, ainda que constato ser uma existência, ainda que se perceba o mistério da morte ser também a náusea que me consome até o fim.

Que me resta saber se nem sei onde tudo começa e termina, como então saber esse mistério? Eis minha dúvida, quiçá não existe o nada, mesmo, apenas tão-somente, isso: o óbvio de continuar sem nada saber!



PRIMEIRA NOTA




Eu não me responsabilizo por possíveis anúncios adicionados nas minhas publicações. Aliás, não tenho tempo de resolver isso, parece que, primeiro, precisa monetizar o blog, mas nem sei como elaborar esse processo informático. Enfim, confiarei na propaganda de bom nível e que esteja associada aos assuntos exclusivamente comerciais, por isso, se encontrar algum erro ou falha, por favor me desculpem. 

O SONHO DA CONFEITARIA COLOMBO




O SONHO DA CONFEITARIA DA COLOMBO.
 


Tínhamos que pegar uma torta de chocolate e mais duas bandejas de salgadinhos na Confeitaria Colombo.  Já estava encomendada quando a minha mãe saiu bem cedo para trabalhar.

Agora, no finalzinho da tarde, ela chegava com as sacolas de compras do supermercado, trazendo carne, ovos, leite, frutas, café e pão para o nosso jantar. Isso, sem esquecer do nosso beijo em seu rosto no mesmo instante em que mandava a gente apagar as luzes porque ela dizia que não era sócia da Light

Em seguida, tornou-se a nos lembrar e nos apressar para buscarmos a encomenda sem mais demora, acrescentando que suas amigas não tardariam a chegar, que iriam confraternizar com o último dia de trabalho, o fim de ano. 

De posse da notinha e do dinheiro, eu e meu irmão, descemos no elevador e logo estávamos na calçada de Nossa Senhora de Copacabana, próximo ao posto 6. A agitação da avenida sempre estava intensa naquele horário, o trânsito mais ainda. Aliás, isso até me fez pensar no bairro.

Copacabana, no final dos anos 60, já era considerada uma espécie de cidade igual a muitas cidades cosmopolitas espalhadas pelo mundo. Ao longo das três principais avenidas, sempre estão repletas de veículos, de pedestres e de estabelecimentos comerciais pelas quadras, além dos bares e restaurantes por toda a orla da Atlântica, dando a perceber o contraste sonoro de muitos lugares. Isso se deve ao fato de que muitas ruas transversais apresentam um silêncio inexplicável. Talvez sejam os paredões dos edifícios construídos sob a influência do concretismo francês, mas não estava bem certo disso, não saberia como explicar isso melhor. Simplesmente a gente dobra uma esquina e toda a agitação se transforma em um silêncio de rua arborizada, tal como o sossego das ruas de cidadezinhas do interior.

Isso também me fazia sentir um poeta urbano, desejando ouvir a nova música do jazz mais romântica. Nessa época, aliás, o trompete de Mile Davis já andava em voga junto à Bossa Nova de Tom Jobim. Também, o contraste doce da beleza de Brigitte Bardot com a alegria rebelde de Leila Diniz. Podia-se dizer que tais influências se misturavam umas às outras, inclusive com o surgimento do Rock’n rol. Era uma liberdade mais autêntica surgindo em nosso bairro. Era também a nova expressão da juventude pelo mundo a fora, modificando até o estilo de a gente se vestir. O Blue Jeans, por exemplo, espalhara-se como a própria dimensão dos mares continentais, logo ganhando todo o mercado da moda como nunca fora visto em toda a história dos hábitos sociais e culturais do planeta. Sim, o mundo estava mudando. Passávamos por estas bruscas transformações. 

Enquanto isso, a gente seguia pelas calçadas, já percorrendo o movimento longitudinal do asfalto urbano da Zona Sul carioca. Sentíamos a energia da brisa suave, como se fosse mesmo, um sonho ao vivo, real. Nascia, enfim, a verdadeira identidade musical do nosso samba brasileiro com o jazz norte-americano! Isso arrepiava nossos pelos dos braços só de sentir essa viva emoção no ar. Estávamos conquistando o mundo musical, também.

Levei o trajeto inteiro pensando em tudo isso. Agora, não. Já estava recebendo o troco da encomenda, sentindo o doce cheiro do sonho espalhado por toda a confeitaria…

De repente, não sei como isso aconteceu, fiquei com vontade de beijá-la, de abraçá-la ali mesmo, no balcão, e mergulhar em seus sonhos também.

No caminho de volta para a casa, quase duas quadras depois, por precaução, lembrei de conferir o troco amassado nos dedos, então coloquei a torta sobre o capô de um carro estacionado na calçada.

— O que foi? — quis saber meu irmão, já segurando o passo com as duas bandejas de salgadinhos suspensas em cada mão.

Não respondi logo, não sabia como explicar isso naquele momento. Acho que ainda lembrava do sorriso da garota, eu com água na boca.

Verifiquei o troco. Inesperadamente, então, percebi que ela havia me devolvido todo o valor da encomenda e mais o troco, também. Hesitei por um instante. Pensei nas opções que eu poderia escolher: um ingresso de uma peça teatral que desejava assistir há mais de duas semanas; o novo LP do Tom Jobim recém-lançado na praça; por último, novamente a lembrança do belo sorriso dos olhos da garota a persistir em minha cabeça.

Voltamos à Confeitaria (...)




Desculpe, mas se você gostou de ler isso, você pode conferir como termina esta estorinha, baixando o EBOOK pelo preço de um café expresso, afinal de contas, preciso valorizar o meu trabalho… não concorda comigo? 


 

 

 

 

 

 





O FUMANTE INVETERADO

        

img-ilustração-pixabay

FUMANTE INVETERADO.



Não sei como tudo isso veio acontecer. Lamento, lamento mesmo, de verdade. Não foi de propósito, juro. Simplesmente acreditava que nunca mais voltaria a fumar, nunca mais colocaria um cigarro na boca, nem por brincadeira. Foi de repente, sabe, até me senti meio estranho, achando isso impossível de acontecer. Ora, qual é, nunca havia parado de fumar. Na verdade, mesmo, nunca me ocorrera deixar de fumar, pelo menos não assim tão de repente. Afinal já vinha fumando desde 84, portanto 35 anos largando fumaça como chaminé de pizzaria de forno a lenha. Como deixaria de fumar, então? Pois é, agora isso: fumar ou não fumar, eis a questão! Talvez o motivo desta indagação seja porque sempre existe alguém me lembrando disso, portanto, falta de aviso não é. Quanto a esse detalhe, aliás, é apenas uma questão de decidir e, pronto, parar de fumar, assunto encerrado, não se fala mais nisso. Na verdade, ninguém precisa me lembrar. Todo mundo sabe que fumar faz mal à saúde, além de ser tempo e dinheiro posto fora, mais difícil de recuperar depois.

Bem, no começo até tentei, juro, mas não conseguia parar. Sou viciado e, nesse caso, a decisão de parar não é tão simples assim. Preciso da nicotina como o ar que se respira, aliás, ambiguidade paradoxal infame, ora, vê se pode dizer algo assim, arriscar ficar sem ar por falta de cigarro é burrice ou canalhice dissimulada, não tem outra explicação. Tudo bem, como já disse, tentei parar. E não foram poucas tentativas. Tentei de tudo. Adesivo, chiclete, hipnose, acupuntura, terapia, enfim, uma parafernália de receitas e condutas farmacológicas antitabagistas, que acabei me tornando um especialista no assunto. Porém, nada disso funcionou, pelo menos em meu caso mais específico. Teimosia? Falta de vontade? Bem, não sei dizer ao certo, simplesmente volto a fumar e, pronto, o que mais posso fazer, mesmo que, em simultâneo, também aproveito para continuar pensando parar de fumar enquanto acendo um cigarro. Não é sarcasmo! Ora, por que tanta insistência? Que me faz retroceder? Bem, eu gosto de fumar com muito gosto, prazer. Na verdade, o cigarro passou a ser um hábito de tentar me reconciliar com a triste realidade da vida acontecendo. Viver de boa, aliás, não é nada fácil. Pelo menos, é a única maneira de pôr fim aos meus conflitos, pois além de me acalmar, auxilia-me a resolver diversos problemas, esclarecendo muitas dúvidas, aliviando das diversas angústias, inclusive, essa: continuar pensando em parar de fumar. Bem, talvez isso aconteça quando me sinto enojado do cigarro, então passo a odiá-lo, seja pelo cheiro do cinzeiro, a fumaça, ou pior ainda, quando começo a tossir sem parar, sentindo-me já sufocado, sem fôlego até de subir a rua. Sim, claro, também por me sentir isolado ao notar que as pessoas me rejeitam, mas isso até compreendo, nem todo mundo fuma como eu, obviamente, sem mencionar os que nunca colocaram um cigarro na boca. Nessa hora, aliás, eu os observo e quero ser livre, quero ser saudável como eles, por isso odeio o cigarro, o vício já controla meus desejos. Poxa, quero ser feliz, mas já nem sei como fazer isso, também. Até porque não tenho força de vontade, na verdade, nem mesmo acredito em apoio convincente nenhum, inclusive já desconfio que a felicidade é uma ilusão, algo meramente momentâneo, a gente está sempre correndo atrás disso, fumando ou não fumando. Logo perco a esperança de tentar voltar a ser como eu era antes, realmente, quando não existia essa ansiedade do tipo instigante, então percebo estar preso em um círculo vicioso. Fumo para então aliviar essa ansiedade, mas ela aumenta após buscar esse relaxamento, acabando por ficar ainda mais tenso. Isso é pior. Sinto-me culpado, já nem sei mais o que fazer. Não sei como sair dessa armadilha. Na verdade, só volto a ponderar parar de fumar, pelo menos em pensamento, mas continuo embestado no vício, ou seja, fico no modo teórico, isso após relembrar o primeiro cigarro, quando estava com meus amigos. Obviamente, eu não soube o que esperar, mas desde essa ocasião já gostava da sensação de fumar. Sinto-me mais lúcido, confiante, entende? Então, recomeço a fumar ainda mais. Fumo quando me estresso ou quando estou feliz, ou quando estou com todos meus amigos, só me distraindo. Fumo em qualquer lugar, a qualquer hora. Gosto da sensação do cigarro na boca, do cheiro do tabaco, da fumaça entrando nos meus pulmões, não se trata de masoquismo. Gosto de sentir a sensação de relaxar com a fumaça. Também gosto de fumar sozinho. É um momento único para pensar, refletir, enfumaçando ao meu redor. Gosto de sentar na varanda, de olhar as estrelas e pensar na vida, fumando, isso também me dá um certo prazer. Mas sei que isso também é ruim. Sei que estou me poluindo, mas não consigo parar. De repente, não sei como, mas de uma hora para a outra, estou viciado nessa porcaria e não sei mais de que jeito isso aconteceu. Tento parar, mas sempre acabo voltando. Mesmo assim, estou cansado de ser viciado, tipo, um dependente igual a um alcoólatra, ou dependente em outra droga de porcaria química qualquer. Estou cansado de estar doente, de estar morrendo lentamente, de tossir, de estar sempre pigarreando. Enfim, eu sei que preciso largar o cigarro, mas não sei mais como dar fim nisso tudo. Estou preso nesse círculo vicioso, não consigo mais sair disso, mas já que decidi parar de verdade, não quero apenas ficar pensando isso sem fazer nada a respeito, tomei essa iniciativa pelo modo mais prático, enfim, não ficar somente no plano teórico. Sei que é difícil, mas estou determinado a seguir com esse plano até o fim. Joguei todos os meus cigarros fora. Inclusive, eu disse para todos os meus amigos e familiares que parei de fumar, muitos até me olharam, incrédulos, intrigados. Bem, de fato, é muito difícil. Fiquei impaciente, estressado, quero fumar, sim, penso no cigarro o tempo inteiro. Enfim, resisto. Lentamente, as coisas vão ficando bem mais fáceis de suportar, nem quero mais lembrar esse tormento de ultrapassar o primeiro período de abstinência, é uma tortura, ninguém merece passar por isso. Então, incrivelmente, comecei a me sentir um pouco melhor. Tanto é que até agora estou sem fumar. Sei que é apenas o começo, mas já estou me sentindo orgulhoso de mim. Sei que nunca mais fumarei novamente. Estou livre. Às vezes, até chego a não acreditar que estou sem fumar há um ano. Imagine, estava fumando um cigarro atrás do outro, de fato era uma chaminé. Simplesmente não conseguia imaginar a minha vida sem fumar, mas estou conseguindo agora. Parei de fumar, imagine. Estou feliz por conseguir realizar essa proeza. Não foi nada fácil, é verdade. Houve momentos em que queria desistir, momentos de fumar pelo menos por uma última vez. Resisti e resisti novamente. Sabia se tratar de uma armadilha, era somente meu desejo, fazendo-me até sonhar que estava fumando. Sabia que, se fumasse, iria começar tudo de novo. Voltaria a ser o mesmo viciado de sempre, então resisti, não fumei. E agora estou aqui. Estou sem fumar. Estou tão feliz por isso. Sinto-me cada vez melhor, poxa, agora tenho mais energia, tenho mais disposição, tenho mais saúde, subo a rua até correndo sem perder fôlego nenhum. Sou tão grato por parar de fumar. Sei que foi a melhor coisa que já fiz pela minha saúde. Mas sei que o desafio ainda não acabou. De certo modo, acredite, ainda sou viciado em nicotina, sim, parece mentira, mas a vontade permanece viva no meu inconsciente. Sei que sou tentado a voltar a fumar. São armadilhas, repito, mas estou determinado a não ceder. Estou disposto a ficar livre do cigarro e ponto final. Sei que posso fazer isso. Posso conseguir. Sei que quanto mais tempo ficar sem fumar, mais fácil ficará depois. Então, continuo resistindo com mais controle sobre mim. Não me iludo, preciso continuar lutando contra o vício, permanentemente. Pelo menos sei que sou uma pessoa melhor por causa disso. Mesmo que uma vez ou outra ainda surja essa voz interior insistindo em querer fumar, sim, ela sempre me questionando o tempo inteiro, de minuto a minuto. Eu digo, retruco: mas não mesmo, de jeito nenhum volto a fumar, bem capaz! Quero virar mico de circo se eu botar um cigarro na boca! Parei de fumar, de verdade…

Por isso, não sei como tudo isso aconteceu tão de repente. Lamento, lamento mesmo, de verdade, juro que não foi de propósito, juro por tudo o que é mais sagrado, estava convencido de que nunca mais voltaria a fumar, nunca mais colocaria um cigarro na boca. Foi de repente, sim, por isso mesmo estou lhe dizendo que até me senti meio estranho, achando isso impossível de vir acontecer. Ora, nunca havia parado de fumar. Na verdade, mesmo, nunca me ocorreu deixar de fumar. Foi vacilo, eu sei. Imprudentemente cometi o erro de ter comprado um novo maço de cigarro, sim, foi agora, agorinha a pouco, estava para lhe dizer isso também. Bem, fiquei atormentado, acabei me perdendo em meus pensamentos, entrei nessa digressão interminável, mas não desisti, não dei o braço a torcer, de volta joguei fora em um segundo momento. Sim, a carteira estava cheia, nem abri. Bem, confesso que senti até dó, uma pena, pois o cigarro anda tão caro ultimamente, isso também é desperdício, mas joguei fora, que se dane o prejuízo do meu bolso. Comigo, não, pensando o que, quando tomo a decisão, nem o vício me controla assim no mais! Quando paro, eu paro mesmo, não dou trégua, não dou mole, mesmo que essa voz do meu interior ainda insista, o quê, não acredita? Pensa que não consigo resistir? E a força de vontade, hein? Acha mesmo que estou dizendo isso da boca pra fora? Está bem, então vou te mostrar como sei viver sem esta droga, tu vais ver, o tempo irá te dizer caso esteja tão convencido do oposto! O quê, continuas rindo? Pois fique sabendo que tenho, sim, absoluto controle sobre mim! Sim, isso mesmo, posso esquecer esse maldito cigarro de vez, lembre-se de que já estou um tempo enorme sem fumar! Então. Mas é claro que posso parar! Tem de contrariar tudo o que eu digo? Acha então que sou fraco, idiota, viciado como você? Fica enchendo meu saco, fica! Vou te mostrar, sim, apesar de tu me dar nos nervos com a tua desconfiança sarcástica sobre o que decido fazer! Não aguento a tua descrença, que droga! Só falta chamar teu amigo para rir contigo! Qual amigo? Aquele que acabou de entrar na sala, olha lá, ele está fumando e você já o viu e agora está dissimulando. Pensas que não percebi? Ora, vai lá, então! Não vê que é outro idiota, vai lá, aproveita e o convença parar de fumar também! Exatamente! Faça a tua parte, vá lá, descarregue tua raiva de abstinência reprimida em cima do coitado! Não, não, isso já está se tornando puro fiasco. Será que posso mesmo convencê-lo a largar o cigarro? E agora? Vou ou não vou? Está bem, vou lá então. Poxa, demorou, hein! Ficar nesse vou, não vou, não resolve nada. Barbaridade, que indecisão. Mas que diabo, assim faço papel de besta, parei de fumar, engana quem tu quiseres, eu te conheço muito bem, tu não me enganas! Cala tua boca, desgraçado, não retrocedo numa decisão tomada, já te disse, o infeliz! Está bem, pode rir! Isso, debocha, mas não roerei unha, não chuparei bala, não mascarei chicle, nem tomarei pílula, nem se eu estiver desesperado! Que chato tudo isso! Desgruda de mim!

Olha lá, olha lá, ele acendeu outro cigarro, que louco, que descontrolado, continua fumando, continua prejudicando a saúde, vou lá, ele precisa, sim, largar esse vício terrível, também! Sério? Está falando sério, pretende ajudá-lo? Nesse caso, então, precisa agir rápido, não vê que ele já está saindo da sala, está indo embora, chama logo, idiota, chama logo, rápido, rápido, ele está indo embora, chama rápido, rápido, chama logo!

— Ô Souza, me dá um cigarro!

 — Ué! Tu não havias parado de fumar?

 — Havia, sim! Inclusive, joguei fora uma carteira cheiinha!

— Então?

— Então é isso, que acontece. Meus pensamentos ainda continuam em conflito comigo. Veja isso: um lado insiste em eu voltar a fumar, o outro lado dizendo que não! Bah, Meu, que baita tortura é tudo isso! Que coisa mais absurda! Nem um dos lados se entende, nem queira passar por isso, fiquei completamente nervoso, fiquei ansioso com toda essa discussão. Simplesmente, perderam o controle, uma coisa impressionante. Preciso dum cigarro urgente para enfim me acalmar, eles vão botar tudo a perder, nem quero participar dessa briga, que se entendam sem mim, chega, não tenho mais saco, não tenho mais paciência de aturar, eles que se entendam sem mim!