PESADELO MADE IN BRAZIL




























Derrame de óleo no mar. Desmatamentos empilhando caminhões de madeiras. O fogo ardendo as matas verdejantes. Pau-Brasil é coisa do passado, isso lá em 1500. Agora é Torresmo de bichos silvestres assados no carvão da mata deitada. Crateras de minério imitando meteoros de Lua sobre a Terra plana. Montanhas inteiras roubadas à luz do dia. Desabamentos de chão asfaltado engolindo fatias de estradas. Rios lamacentos afogando bairros, cidades. Enquanto isso, o vírus adora o festerê maravilhado, empolgado, abraçando aglomerações de seguidores abestalhados. Ambientalistas são assassinados. Hospitais cada vez mais lotados. Enfermeiras chorando pelos corredores, médicos desesperados, tristeza em cada olhar. No mais, está tudo bem. A infâmia, o escárnio, a mentira, o escândalo, o ridículo, todos a caminho dos bueiros, arrastando a verdade pelos cabelos. E os urubus, por enquanto, de asas recolhidas, em repouso, todos eles amontoados às bordas dos altos prédios, em silêncio fúnebre, somente aguardam pacientemente o desenlace dos vermes florescer. Mas, espera, não se afobe, ainda tem alguém ali na esquina assobiando Aquarela do Brasil. Será outro tresloucado, alienado, ou será outro pobre esperançoso, resistindo…  




MINHA PRIMEIRA PROFESSORA






Eu não sou religioso. Penso que nunca fui. No entanto, fui batizado, catequizado. Isso é fácil de entender. Estudei o antigo primário em colégio de freiras. Todas elas usavam o antigo hábito preto, a gente nunca via seus cabelos, por exemplo, se eram loiros, castanhos ou pretos, mas quase sempre o olhar revelava um sorriso simpático a nós.

Então, fiz a primeira comunhão e tomei todo cuidado para não morder a hóstia, não sangrar o sangue de Cristo em minha boca (assim me alertaram os amigos). No mais, foi tudo tranquilo. Na escola, tinha todas as matérias como todo colégio laico, exceto a matéria de religião católica como parte do currículo, mas não reprovava o aluno, a menos, claro, se não houvesse presença em sala de aula, no caso, havendo elevado número de faltas. Isso nunca acontecia. A professora era uma jovem freira um tanto rebelde, lia provavelmente, escondida, secretos livros de filosofia como nós. Sabíamos disso porque, antes de falar dos pensamentos de Sócrates, Platão, Espinoza, etc., ela sempre tomava o devido cuidado de abrir a porta para ver se tinha alguém nos espiando pelos corredores. A turma ficava em silêncio, em suspense, aguardando…

Bem, hoje sou adulto, sou velho, e já esqueci quando foi a última vez que entrei em uma igreja. Faz tempo, isso sei, faz muito tempo mesmo. No entanto, hoje aceito todas as religiões sem escolher nenhuma delas como estimação, talvez porque tenho agora consciência dos seus dogmas, suas crenças. Hoje elas se parecem como o ato de trocar de blusa, de camisa, conforme a ocasião. Não importa. Com a filosofia aprendi que a vida e o corpo são mais sagrados do que toda a roupagem.

Por isso, acho uma grande bobagem o que vem acontecendo no Brasil: um país que acolhe todas as religiões do mundo sem discriminação, quer dizer, pelo menos é o que consta na constituição federal. Portanto, vejo com preocupação todo esse ódio religioso misturado com ideias políticas…

Sabe, às vezes sinto saudade daquela freira lá da minha infância, minha primeira professora. Ela era tão tranquila, sorridente, simpática, e quando ela falava de filosofia, seus olhos se acendiam brilhantes, que eu até acreditava que ela era uma filósofa disfarçada de freira!




AS FLORESTAS DA AMAZÔNIA







AS FLORESTAS DA AMAZÔNIA
 A FLORESTA DA AMAZÔNIA
FLORES DA AMAZÔNIA
FLOR DA AMAZÔNIA
FLÔ DA AMAZÔNIA 
DA AMAZÔNIA
D AMOZÔNIA
AMAZÔNIA
AMAZON
AMAZ
 AMA
AM
A
M
A
Z
Ô
N
I
A
.
.
.
S
U
M
I
N
D
O
.
.
.
E
M
.
.
.
P
I
N
G
O
.
.
.
E
M
.
.
.
P
I
N
G
O
.
.
.






QUEM SÃO OS EXTREMISTAS

   





O discurso de revanchismo e ódio do candidato Aécio Neves, após a segunda derrota nas urnas, não foi atitude extremista, foi só uma queixa, um desabafo reprimido pela tensão da campanha agora perdida. A escuta telefônica da conversa da presidenta Dilma com Lula não foi atitude extremista, foi somente uma escuta indevida, sem querer ser ouvida. A condução coercitiva com aquele formidável aparato espetaculoso, midiático, não foi atitude extremista, foi apenas destaque para dar audiência na mídia. As fake news do MBL, divulgadas sistematicamente nas redes sociais, difamando a presidenta Dilma e o partido dos trabalhadores, não foram, de forma alguma, atitudes extremistas, só foram sensacionalismos de tabloide apelativo. O discurso folclórico dos deputados apoiando o impeachment em nome de Deus não foi atitude extremista ou fanatismo, só foi a confirmação esperada pela opinião pública. O midiático Power Point do ministério público, evidenciando e priorizando a convicção como prova cabal contra o ex-presidente e o partido dos trabalhadores, não foi atitude extremista, foi só estrelato jurídico. Aquele apedrejamento, tiros, relhos, toda aquela violência contra a caravana do Lula e sua militância, não foi atitude extremista, só foram ânimos mais exaltados dos opositores. Aquele julgamento do Lula no caso tríplex, cujo imóvel tinha escritura em nome da OAS — o que, aliás, não havia reforma nenhuma — não foi atitude extremista, foi só aplicação das normas jurídicas imparciais. Então, o desenrolamento a toque de caixa, resultando na prisão de Lula sem trânsito em julgado, não foi atitude extremista, foi apenas o cumprimento normativista de aplicação de lei e justiça igual para todos. Os tiros desferidos contra o acampamento Marisa Letícia, que resultou na vítima gravemente ferida, não foram atitudes extremistas, foi somente um caso isolado de algum grupo mais exaltado. A proibição do Lula em participar, registrar e, posteriormente, usar seu nome na eleição presidencial, mesmo após o impedimento de receber visitas ou dar entrevistas, não foi atitude extremista, só foram critérios avaliados ao bom andamento das eleições. Não. Nada disso foi atitude extremista. A atitude extremista foi a de Dilma buscar defesa legal até o fim. Atitude extremista foi Haddad discursar, reconhecendo democraticamente a derrota. Outra atitude extremista foi ele não faltar com postura educada para responder às perguntas éticas e nada intimatórias do Jornal Nacional da Rede Globo, enquanto ele falava em democracia, defesa social aos mais pobres, destacando projetos fundamentais de fomento, desenvolvimento da economia, enfim, toda a sociedade brasileira. Isso, daí, sim, é de gente extremista. Convenhamos, todos viram, perceberam, ninguém é burro, alienado. O Partido dos Trabalhadores é extremista…

— Ora, pelo amor de Deus, cale sua boca, não como capim!




É PRECISO ESPERANÇA




Art by Manu Ferret




























Isso é assustador. Há quase um ano, estou descendo a rua de máscara devido à Covid-19. Graças a Deus já consigo avistar a esquina e minha rua se aproximando. Possivelmente 120 passos até chegar nela, depois basta dobrar à direita, caminhar mais 33 passos (três casas vizinhas), logo chegarei em casa. Já contei meus passos algumas vezes, por vários dias seguidos. Descendo esta rua, dá cerca disso. Agora não consigo mais realizar isso usando máscara. São outras manias, mas é assustador, de verdade. Um ano já se parece com dez anos. No começo, até que não parecia. Na verdade, no começo achava a máscara incômoda. Tinha que amarrá-la atrás, diferentemente das máscaras que uso agora, alçadas atrás da orelha. Mania de usar máscara é mais útil do que contar passos, descendo a rua. Mesmo assim, é assustador. Continuo descendo a rua e continuo pensando nisso. Bem, 120 passos e mais 33 passos parecem uma eternidade. Um ano se parece com dez anos. Sim, isso mesmo. Estou há um ano descendo a rua e a rua nunca termina. Isso é mesmo assustador porque um ano se parece com dez anos, e agora estou mais confuso, essa pandemia também nunca termina.


Texto: Juidson Campos
Arte imagem: Manu Ferret