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O Custo.

O homem, a cara amarrada, senta-se à mesa da cozinha. A conta de luz está
aberta, o café frio. A tarifa chega como um inverno precoce: 125% sobre coisas
feitas na China. Ele olha para os tênis novos do filho, comprados em abril.
Agora custa o dobro. Não, mais que o dobro. A matemática é simples. A vida,
não.
Nas ruas, as lojas anunciam liquidação. “Estoque limitado”,
dizem. Donos de bikeshops encostam
bicicletas chinesas contra as paredes vazias. Um fazendeiro do Nebraska vende
dois tratores. A soja não vale mais nada. Os chineses compram do Brasil.
Nas docas, os contêineres
esperam. Homens de coletes laranjas fumam em silêncio. “México”, alguém disse.
“Vietnã.” As empresas grandes já têm mapas novos. O resto fica ali, parado,
como peixe em rede seca.
A mulher no supermercado segura uma panela. Made in USA. O custo: cinquenta dólares.
Antes, a chinesa custava vinte. Ela coloca a panela de volta na prateleira.
Decide comprar arroz e feijão enlatado. Na fila, um velho conta que o remédio
para o coração subiu 80%. Ninguém fala de comércio livre. Falam do gás, do
leite, da neve que virá no próximo ano.
À noite, na TV, um homem de gravata grita sobre inimigos e
vitórias. O homem da cozinha desliga o aparelho. Olha para a esposa, que
costura um casaco rasgado. Ela não levanta os olhos. Sabe o que vem. Sabe que
guerras — mesmo as de tarifas, mesmo as sem balas — sempre escassa a comida, o
remédio, o pão dos que não estão nos discursos.
É assim. Você constrói um muro pra manter o mundo lá fora, longe de tudo. Só não dizem que o muro também tranca você aqui dentro. Com o preço da proteção nas costas e o vento frio entrando pelas frestas. Pior, o custo da calefação também está nas alturas.